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Diogo Schelp

O que Netanyahu acha das ideias de Bolsonaro sobre o nazismo?

Diogo Schelp

02/04/2019 15h01

Bolsonaro em Israel

O presidente Jair Bolsonaro discursa no memorial do Holocausto, em Jerusalém – Ronen Zvulun/Reuters

Nada como uma mentira repetida mil vezes… para ser desmentida mil vezes. O presidente Jair Bolsonaro endossou a tese defendida por seu ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, de que o nazismo era uma ideologia de esquerda. Araújo havia feito essa afirmação no dia 17 de março em entrevista a um canal no YouTube e repetiu-a em um artigo publicado em sua página na internet no sábado passado, um dia antes do início da visita de Bolsonaro a Israel, país cuja fundação está profundamente ligada à memória do extermínio de judeus pelos nazistas.

Depois de visitar o museu do Holocausto em Israel, em que a história que se conta é que o nazismo era uma ideologia de extrema direita, Bolsonaro saiu-se com esta: "Sem dúvidas. É o Partido Nacional Socialista da Alemanha." Há uma unanimidade entre os historiadores sérios de que essa teoria é uma falácia, que já foi bem desmontada nesta reportagem do UOL. Não é o nome que define os traços ideológicos de um movimento político.

Bolsonaro foi a Israel com o objetivo de estreitar os seus laços com Israel, por ora comandado por Benjamin Netanyahu.

Será que Bibi, como o premiê israelense é chamado, ficou ofendido com a declaração? Vai haver um pedido de retratação? Acho difícil. Afinal, ele mesmo já andou defendendo versões alternativas da história que contradizem o que os pesquisadores do museu do Holocausto de seu país afirmam. Em 2015, por exemplo, ele disse que os nazistas não queriam exterminar os judeus, apenas expulsá-los. Quem teria convencido os alemães a começar uma matança, ainda segundo Bibi, foi o então líder religioso dos palestinos, o Grão Mufti de Jerusalém. Trata-se de uma grande bobagem, rechaçada pelos principais historiadores do holocausto.

Na verdade, a tese de que o nazismo era um movimento de esquerda até cai bem politicamente para Bibi, ele próprio um político de direita. Vale a ressalva de que ser de direita, em Israel, é diferente de ser de direita no Brasil ou em outros lugares. Lá, a distância entre os extremos políticos é medida principalmente pela postura frente às reivindicações palestinas.

Nos últimos tempos, Bibi tem sido criticado por se aproximar de líderes do Leste Europeu que representam uma direita conservadora, nacionalista, xenófoba e antiliberal. Ocorre que esses governantes, como o primeiro-ministro da Hungria Viktor Orbán e Jarosław Kaczyński, líder de um dos principais partidos da Polônia e ex-presidente do país, flertam também com o antissemitismo. Netanyahu aproximou-se dessas figuras não apenas por questões diplomáticas, pragmáticas, mas por pura afinidade de pensamento, no que se refere ao conservadorismo, ao nacionalismo, à xenofobia e ao antiliberalismo. Por motivos óbvios, ele prefere empurrar a parte do antissemitismo para debaixo do tapete.

Essa aliança de Bibi com os nacionalistas do Leste Europeu foi posta à prova no início do ano passado, quando a Polônia aprovou uma lei que proibia menções à conivência de poloneses com o holocausto. Em fevereiro deste ano, Netanyahu se viu obrigado a declarar que "poloneses cooperaram com os nazistas". Apesar da rusga diplomática que isso causou, o fato é que a atual conjuntura política na Polônia é vista como positiva pela direita israelense, como observou o historiador polonês-israelense Zeev Sternhell em artigo recente na revista Foreign Policy.

Por fim, vale a pena mencionar uma polêmica envolvendo o filho de Benjamin Netanyahu, Yair, que em 2017 publicou em sua conta no Facebook que considera o ativismo de esquerda pior e mais perigoso do que o neonazismo. De fato, há antissemitismo em ambos. Talvez a declaração se deva ao fato de que ninguém duvida que o neonazismo é de direita. Ou duvida?

Sobre o Autor

Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto, com André Liohn) e “No Teto do Mundo” (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).

Sobre o Blog

“O que mantém a humanidade viva?”, perguntava-se o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Essa é a pergunta que motiva esse blog a desembaraçar o noticiário internacional – e o nacional, também, quando for pertinente – e a lançar luz sobre fatos e conexões que não receberam a atenção devida. Esse é um blog que quer surpreender, escrito por alguém que gosta de ser surpreendido.