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Diogo Schelp

O que Maduro e outros ditadores aprenderam com a guerra na Líbia

Diogo Schelp

08/04/2019 16h30

Venezuela

Manifestantes venezuelanos pedem ajuda internacional. Maduro aposta que ela não virá (Imagem: AFP)

Uma nova fase da guerra civil desponta no horizonte da Líbia. O poder no país é fragmentado em dois governos apoiados pelas milícias que sobraram do conflito que, em 2011, levou à queda e ao assassinato brutal do ditador Muamar Kadafi. De um lado, o Exército Nacional Líbio (ENL), do general Khalifa Haftar, que controla a maior parte do território. É o chamado "governo Tobruk", em referência à cidade situada a leste, quase na fronteira com o Egito. De outro lado, o Governo de União Nacional (GNA), reconhecido pela comunidade internacional, também chamado de "governo de Trípoli", por estar sediado na capital do país. Havia um equilíbrio tenso entre os dois. Há uma semana, Haftar partiu para uma estratégia de tudo ou nada e chegou com seus homens aos arredores de Trípoli. Hoje, suas forças começaram a bombardear o aeroporto da capital. A guerra de 2011 na Líbia, lembremos, fez parte da chamada Primavera Árabe, a onda de protestos e rebeliões que abalou as ditaduras árabes do Norte da África e Oriente Médio.

Enquanto o caos líbio voltava a esquentar, a 8.500 quilômetros dali o ditador chavista Nicolás Maduro enfrentava, no domingo dia 7, mais um protesto que reuniu milhares de pessoas nas ruas da Venezuela contra seu regime inepto, corrupto e opressor. Apenas três dias antes, o chanceler venezuelano Jorge Arreaza encontrou-se em Damasco com o ditador sírio Bashar Assad, um sobrevivente da Primavera Árabe. Assad disse que "o que se está se passando na Venezuela é semelhante ao que aconteceu na Síria", querendo dizer que as potências ocidentais, em especial os Estados Unidos, desejam iniciar uma guerra para tutelar os países. "Dissemos ao presidente Assad que a experiência da Síria nos ajuda na Venezuela, que nos dá ideias e orientações sobre como lidar com essa situação", disse Jorge Arreaza depois.

O que quer que Maduro tenha a aprender com Assad sobre como se manter no poder, foram lições que o sírio e outros regimes autoritários (podemos incluir aí o turco Recep Erdogan e o russo Vladimir Putin) tiraram da guerra civil na Líbia. Eis aqui quatro dessas lições:

  1. Fortaleça as Forças Armadas e garanta o seu apoio. Um dos maiores erros de Kadafi foi sustentar seu poder em alianças tribais e em jamais confiar em seus militares, com medo de que eles viessem a tomar o seu lugar um dia. Já Assad provou, depois de quase oito anos de guerra civil (que ele está vencendo), que a melhor estratégia é cultivar a lealdade dos comandantes militares e demonstrar a eles que sua sobrevivência depende disso. Maduro também seguiu por esse caminho, criando uma situação em que o destino dos generais chavistas está atrelado ao dele.
  2. Ceder, nunca; ganhar tempo, sempre. Antes de 2011, Kadafi havia iniciado um processo de aproximação com o Ocidente, com o intuito de deixar de ser um pária da comunidade internacional. Entre outras coisas, abandonou o financiamento de ações terroristas, desistiu de ter armas de destruição em massa e comprometeu-se a segurar o fluxo de emigrantes africanos para a Europa. Ele se encontrou com o premiê italiano Silvio Berlusconi, que chegou a beijar sua mão, com o primeiro-ministro britânico Tony Blair e com o presidente francês Nicolás Sarkozy. Com isso, deixou de representar uma ameaça e, assim que começou a reprimir violentamente os protestos que se iniciaram no leste do país, os líderes internacionais com quem havia se encontrado viraram-lhe as costas. Um dos poucos que se mantiveram fiéis foi o presidente Lula, que havia conseguido lucrativos negócios para a Odebrecht na Líbia, segundo denúncia do empreiteiro Marcelo Odebrecht e do ex-ministro Antonio Palocci.  O mundo é um lugar melhor sem ditadores como Kadafi? Sem dúvida. Mas o importante aqui é o que tiranos como Assad aprenderam com isso: que é melhor ficar isolado internacionalmente do que abrir mão de armas, reais ou simbólicas, para manter as potências externas sob constante chantagem. É o que faz o ditador norte-coreano Kim Jong-un com o seu programa nuclear. Também demonstrou aos tiranos que, no caso de protestos de rua e movimentos opositores, é melhor reprimi-los violentamente do que pegar leve para conquistar uma boa imagem no exterior. Pode-se tentar ganhar tempo, como faz Maduro quando propõe "negociações", mas quando a coisa aperta só a repressão resolve.
  3. Transições negociadas são uma ilusão. Ditadores como Assad e Maduro e seus apoiadores mais próximos não acreditam em anistia ou exílio seguro. O ex-ditador tunisiano Zine El Abidine Ben Ali só conseguiu refugiar-se com relativa segurança na Arábia Saudita porque fugiu tão logo os protestos em seu país se espalharam. Outros tiveram destinos mais trágicos. O egípcio Hosni Mubarak passou um tempo preso e foi submetido a julgamentos humilhantes. Kadafi foi espancado e empalado até a morte por uma turba de rebeldes enfurecidos. Seu filho Saif al-Islam, que passou alguns anos presos na Líbia, agora é procurado pela Corte Internacional. Se for pego, será julgado em Haia por crimes contra a humanidade. Assad e Maduro poderiam ter o mesmo destino.
  4. O Ocidente late, mas não morde. A Líbia hoje é um caos porque a queda de Kadafi deixou um vácuo de poder no país. A avaliação foi feita pelo ex-presidente americano Barack Obama, que reconheceu ter sido um dos culpados por isso. O vácuo de poder levou até mesmo ao assassinato de seu embaixador na Líbia por radicais islâmico. A experiência líbia fez com que os americanos evitassem uma atuação direta para derrubar Assad logo no início da guerra na Síria. A ajuda aos rebeldes foi restrita e os bombardeios liderados pelos Estados Unidos contra alvos na Síria só ocorreram posteriormente com a desculpa de enfraquecer posições do Estado Islâmico no país. Donald Trump não é Obama e já disse que não descarta uma intervenção militar na Venezuela, mas Maduro está apostando no cenário mais provável, que é o de que o americano evitará ao máximo promover uma invasão, com todas a consequências desastrosas que ela poderia ter.

O Ocidente também aprendeu algumas lições na Líbia.

Sobre o Autor

Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto, com André Liohn) e “No Teto do Mundo” (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).

Sobre o Blog

“O que mantém a humanidade viva?”, perguntava-se o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Essa é a pergunta que motiva esse blog a desembaraçar o noticiário internacional – e o nacional, também, quando for pertinente – e a lançar luz sobre fatos e conexões que não receberam a atenção devida. Esse é um blog que quer surpreender, escrito por alguém que gosta de ser surpreendido.