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Diogo Schelp

Mentor de Bolsonaro, mentor de Bin Laden: ter um guru denota autoritarismo

Diogo Schelp

09/04/2019 16h44

Olavo e Turabi

O brasileiro Olavo de Carvalho e o sudanês Hassan Al Turabi (Foto: Vivi Zanatta/Folhapress e RomanDeckert/CC BY-SA 4.0)

Foi um encontro bizarro e um tanto quanto sinistro. Em uma tarde de muito calor do ano de 2008, cheguei de táxi a uma ampla casa de uma rua empoeirada de Cartum, a capital do Sudão. Havia seguranças na porta, no pátio, por toda a parte da residência. Fui apresentado a eles pelo taxista e levado a uma sala com tapetes de orações. Sentei-me em um sofá e logo apareceu o meu anfitrião, um senhor pequeno e sorridente de turbante branco. Era Hassan Al Turabi, o guru intelectual do terrorista saudita Osama Bin Laden. Não se trata de força de expressão. No início dos anos 90, Turabi deu asilo a Bin Laden em Cartum, depois que o terrorista, que havia fundado a Al Qaeda alguns anos antes, foi banido da Arábia Saudita. Bin Laden frequentava a casa de Turabi regularmente, recorrendo ao ideólogo fundamentalista para encontrar amparo espiritual e inspiração para sua militância. O resultado dessa "mentoria" foi que Bin Laden montou um campo de treinamento de terroristas no Sudão e, dois anos depois de ir embora do país, em 1998, começou sua campanha de ataques terroristas contra alvos americanos. Os atentados simultâneos contra as embaixadas dos Estados Unidos na Tanzânia e no Quênia mataram centenas de pessoas.

E ali estava eu, diante do homem que havia "inspirado" Bin Laden. Serviram-me limonada. Muito cortês e com inglês perfeito (Turabi estudou em Londres e em Paris), ele transformava cada resposta às minhas perguntas em um monólogo cheio de erudição e argumentos afiados. Seu raciocínio era brilhante, assim como a capacidade de encadear as ideias. O problema é que ele partia de premissas falsas para chegar a conclusões odiosas, racistas. Turabi estava muito interessado em conhecer a origem do meu sobrenome e teceu elogios aos ideais de pureza racial dos nazistas, relacionando-os aos seus próprios ideais de pureza árabe. Ele ficou chocado quando fiz questão de deixar claro que eu não tinha nada de "sangue" puro: "Como todo brasileiro, minha ancestralidade é uma salada de frutas. E eu me orgulho disso", avisei.

Turabi falou sobre islamismo, sobre a depravação do Ocidente e sobre imperialismo americano. Eu não estava com vontade alguma de ser doutrinado e comecei a questionar suas ideias com base em fatos. Ele ficou incomodado. Não levantou o tom da voz, mas começou a se mexer na poltrona, a falar mais rápido, a discorrer sobre temas sobre os quais eu não havia perguntado. Não havia diálogo. Ele não estava acostumado a ouvir, a evoluir em um debate sobre ideias. Ele era um guru. As pessoas o buscavam para receber respostas prontas. Bin Laden o procurava para isso. E em suas respostas havia sempre um culpado externo para as dores dos indivíduos, para as dores do mundo.

Toda a vez que leio em algum lugar que Olavo de Carvalho é guru de Bolsonaro, de seus fillhos, do último ministro da Educação a ser escolhido, lembro — sem brincadeira — de Hassan Al Turabi. Não estou dizendo que os seguidores do Professor, como ele é chamado, são terroristas. Ainda prefiro entrar em um avião com um olavista a entrar com um salafista. Mas é a maneira como Olavo de Carvalho e seu discípulos interagem entre si e se comportam com os outros que me faz ver semelhanças. Quando alguém discorda dele ou de sua turma, a reação se parece com a de Turabi quando exaltei o caldeirão cultural brasileiro: olhos esbugalhados, boca tremendo, exasperação. É a postura de quem acha que conhece a Verdade — assim mesmo, com V maiúsculo. O guru do governo Bolsonaro vive dizendo nas redes sociais que, se alguém não "aprende" o que ele tem a ensinar, só há uma explicação: a pessoa não está preparada ou é incapaz de aprender. Turabi pensava o mesmo de quem rechaçava sua visão fundamentalista de mundo.

Recorrer a gurus para fazer política denota uma boa dose de autoritarismo.

Sobre o Autor

Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto, com André Liohn) e “No Teto do Mundo” (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).

Sobre o Blog

“O que mantém a humanidade viva?”, perguntava-se o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Essa é a pergunta que motiva esse blog a desembaraçar o noticiário internacional – e o nacional, também, quando for pertinente – e a lançar luz sobre fatos e conexões que não receberam a atenção devida. Esse é um blog que quer surpreender, escrito por alguém que gosta de ser surpreendido.