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Diogo Schelp

Guerras e ideologias destruíram mais igrejas históricas do que incêndios

Diogo Schelp

15/04/2019 18h00

Catedral

Catedral de Cristo Salvador sendo demolida, em 1931 (Arquivo/Tass)

As autoridades francesas tratam como um acidente o incêndio que destruiu a estrutura central da Catedral de Notre-Dame, um dos templos católicos mais importantes e visitados do mundo, nesta segunda-feira, 15. O estrago, como se pode ver pelos inúmeros vídeos feitos, foi enorme. É difícil encontrar paralelo na história para um prejuízo histórico tão grande envolvendo um templo cristão — e certamente nenhum ocorreu neste século.

Em 2013, um terremoto nas Filipinas destruiu totalmente diversas igrejas, construídas no século XVIII. Em 2009 e 2016, na Itália, abalos sísmicos puseram abaixo igrejas medievais tão ou mais antigas que a Notre-Dame, datada de 1345. Mas, apesar do valor histórico e cultural de todas elas, independente da antiguidade, nenhuma tinha a mesma relevância ou era uma referência simbólica para tanta gente quanto a catedral parisiense.

Em 1666, o Grande Incêndio de Londres, que destruiu boa parte da cidade britânica, reduziu a cinzas a Catedral de São Paulo, construída entre 1087 e 1314 — agora conhecida como Velha Catedral de São Paulo, pois alguns anos depois da tragédia uma totalmente nova foi construída no local. Em 1863, um incêndio na Igreja da Companhia de Jesus, em Santiago do Chile, matou mais de 2.000 pessoas. Em termos de perda humana, foi a maior tragédia do tipo da história mundial.  

Desastres à parte, nada foi tão devastador para a memória arquitetônica cristã do que a II Guerra Mundial e o comunismo. A II Guerra Mundial foi de longe a que mais causou danos. Centenas de igrejas e catedrais foram destruídas em ataques e bombardeios. Entre as mais icônicas estão a Catedral de Berlim, a Gedächtniskirche, também em Berlim — que é chamada assim ("Igreja da Memória", em alemão) por que uma torre moderna foi construída ao lado da antiga, em ruínas, para servir de lembrança dos horrores da guerra, e a Frauenkirche, em Dresden, cuja reconstrução só foi concluída em 2004. As três na Alemanha. Elas foram devastadas por bombas incendiárias lançadas de aviões aliados. A Catedral de Santo Estevão, em Viena, na Áustria, uma das mais antigas da Europa, que começou a ser construída em 1137, também foi bastante danificada por bombas aliadas já no final da guerra, em 1945. A aviação de Hitler, é claro, também destruiu igrejas, entre as quais a Catedral de Coventry, na Inglaterra, datada do século XIV, e que permanece em ruínas até hoje.

E o que dizer da sanha devastadora contra igrejas (no caso, ortodoxas) dos soviéticos? Durante as campanhas anti-religiosas entre as décadas de 20 e de 40, dezenas de milhares de igrejas foram destruídas, fechadas ou descaracterizadas. A imagem mais forte desse período é a da implosão da majestosa Catedral de Cristo Salvador, em Moscou, em 1931. Tirando as causas de cada uma, a cena é tão chocante quanto à da Catedral de Notre-Dame em chamas.

Sobre o Autor

Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto, com André Liohn) e “No Teto do Mundo” (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).

Sobre o Blog

“O que mantém a humanidade viva?”, perguntava-se o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Essa é a pergunta que motiva esse blog a desembaraçar o noticiário internacional – e o nacional, também, quando for pertinente – e a lançar luz sobre fatos e conexões que não receberam a atenção devida. Esse é um blog que quer surpreender, escrito por alguém que gosta de ser surpreendido.