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Diogo Schelp

Terrorismo islâmico está em declínio, mas nunca vai acabar totalmente

Diogo Schelp

22/04/2019 12h50

Igreja-católica-Sri-Lanka

Peritos trabalham na Igreja de São Sebastião, que foi atacada nesse domingo de Páscoa em Negombo, no Sri Lanka (REUTERS/Athit Perawongmetha)

O governo do Sri Lanka finalmente divulgou o nome do grupo terrorista que está por trás da série de atentados que deixaram 290 mortos e 500 feridos, muitos dos quais católicos que celebravam o domingo de Páscoa em suas igrejas. Como eu já havia comentado aqui, as táticas e os alvos indicavam o envolvimento de jihadistas. De fato, segundo as autoridades, os ataques foram realizados por militantes do pouco conhecido grupo islamista National Thowheeth Jama'ath (NTJ), formado por jovens muçulmanos radicais do leste do país.

Na Global Terrorism Database, uma base de dados de ataques terroristas compilada pela Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, não há nenhum atentado atribuído ao grupo nos últimos anos. Aparentemente, esse foi o primeiro. Até esse fim de semana, o NTJ sequer tinha os católicos como alvo: suas principais ações se resumiam a vandalizar estátuas budistas. Um de seus líderes, Abdul Razik, foi preso em 2016 por incitação ao racismo.

O que poderia ter levado o NTJ a partir para atentados a bomba contra cristãos? Uma possibilidade tem a ver com a derrota do grupo terrorista Estado Islâmico (EI ou Isis) na Síria. Suspeita-se que os integrantes oriundos do Sri Lanka tenham voltado ao seu país depois que o EI perdeu território, levando consigo as táticas e a sistema de valores aprendidos durante o treinamento no Oriente Médio. Nos últimos anos, conforme se via encurralado na Síria e no Iraque, o EI teve como prioridade internacionalizar suas ações e sua ideologia. A presença de alguns de seus ex-combatentes no NTJ, originalmente um grupo com uma agenda fundamentalista local, ajudaria a explicar a opção por organizar uma ação que provocasse reação global — daí a escolha de atacar hotéis frequentados por estrangeiros abastados e igrejas católicas.

Ainda assim, o governo cingalês afirma que dificilmente o NTJ teria sido capaz de organizar e realizar o ataque sozinho, sem a ajuda externa de alguma organização terrorista internacional. Por isso, pediu ajuda de outros países na investigação.

A carnificina no Sri Lanka é uma prova de que as ideologias que movem o terrorismo islâmico vieram para ficar, mesmo com tudo o que se tem feito para coibi-las e combatê-las. Os principais levantamentos estatísticos sobre o assunto indicam que houve uma redução significativa no número e na letalidade dos atentados terroristas entre 2014 e 2017 (os dados de 2018 ainda não foram inteiramente compilados).

Em artigo recente, o americano Gary LaFree, professor de criminologia da Universidade de Maryland e um dos responsáveis pelo projeto do Global Terrorism Database, escreveu que o mundo viveu uma grande onda de atentados nos anos que se seguiram aos ataques de 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos. Entre 2002 e 2014, o número de atentados terroristas aumentou doze vezes, e o de vítimas fatais, oito vezes. Depois, porém, verificaram-se quedas significativas todos os anos: o número de mortes em ataques em todo o mundo caiu 12,7% em 2015, 10,2% em 2016 e 24,2% em 2017 (sempre em relação ao ano anterior). Esses números incluem os atos de terrorismo de todas as vertentes, mas o de motivação islâmica é, de longe, o mais ativo e letal. Dos cinco grupos terroristas que cometeram mais atentados no período, quatro são islamistas.

Há mais de uma explicação possível para a redução nos atentados. Uma delas é que, no Ocidente, os esforços de contraterrorismo e de inteligência das corporações policiais têm tido sucesso em antecipar ameaças e desbaratar redes terroristas antes que elas cometam atentados. Outra razão é que houve uma estabilização dos conflitos onde há forte presença de grupos terroristas. É o caso do Afeganistão, onde o Talibã retomou o controle de importantes territórios e portanto reduziu suas ações militares e de terror. E é também o caso da Síria, onde houve uma combinação de dois fatos: primeiro, a derrota do Estado Islâmico, e, segundo, a consolidação do poder do ditador Bashar Assad em boa parte do território do país, o que — ainda que às custas do sofrimento da população civil, que foi massacrada pelos bombardeios do tirano sírio — enfraqueceu também outros grupos jihadistas.

Tudo isso reduz a capacidade de grupos terroristas de cometer atentados, tanto pela dificuldade em se financiar (foram criados diversos mecanismos para coibir o fluxo de dinheiro para essas organizações), como de treinar recrutas e de se comunicar para organizar os ataques. Mas a ideologia por trás do terrorismo islâmico está longe de ter sido derrotada. Aqueles que bebem do ódio e da intolerância que dela escorrem sempre encontrarão uma brecha para semear o terror. É preciso se manter sempre vigilante.

Sobre o Autor

Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto, com André Liohn) e “No Teto do Mundo” (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).

Sobre o Blog

“O que mantém a humanidade viva?”, perguntava-se o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Essa é a pergunta que motiva esse blog a desembaraçar o noticiário internacional – e o nacional, também, quando for pertinente – e a lançar luz sobre fatos e conexões que não receberam a atenção devida. Esse é um blog que quer surpreender, escrito por alguém que gosta de ser surpreendido.