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Diogo Schelp

Bilionários radicais costumam financiar terror, não se explodir

Diogo Schelp

25/04/2019 12h02

Milionários terroristas

Policiais em frente à luxuosa casa de um dos homens-bomba dos atentados de domingo de Páscoa, no Sri Lanka (REUTERS/Thomas Peter)

Os atentados terroristas ocorridos no domingo de Páscoa, no Sri Lanka, cujo saldo de mortos já passa de 350 pessoas, continuam produzindo revelações surpreendentes. A última é que dois dos oito homens-bomba que participaram da carnificina eram filhos de um dos homens mais ricos do país, Mohammad Yusuf Ibrahim, um grande exportador de especiarias. Um dos filhos suicidas era dono de uma fábrica de fios de cobre. Segundo o jornal americano The New York Times, Ibrahim está preso. A polícia fez buscas em sua luxuosa mansão em Colombo, capital do Sri Lanka, para encontrar provas de seu envolvimento na organização dos ataques. Suspeita-se, também, que uma mulher-bomba que atuou nos atentados seja nora de Ibrahim. Ela se explodiu na frente dos próprios filhos (portanto netos de Ibrahim), matando-os junto com um grupo policiais que estavam perto de um viaduto em Dematagoda.

O surpreendente, porém, não é o envolvimento de gente muito rica em atentados terroristas. O que é raro, aqui, é o fato de que os radicais islâmicos nascidos em berço de ouro tenham optado por se suicidar nas ações, e vez de permanecer nos bastidores como organizadores e financiadores do terror, como costumam fazer.

O mais famoso dos terroristas islâmicos, Osama Bin Laden, pertencia a uma família saudita que amealhou 10 bilhões de dólares, principalmente no ramo da construção. Ele enviava homens para se explodir, como ocorreu com os pilotos suicidas de 11 de setembro, nos Estados Unidos, mas nem ele nem seus filhos iam para a linha de frente dos atentados. Depois que ele foi morto por forças especiais americanas no Paquistão, descobriu-se que havia deixado um testamento distribuindo 29 milhões de dólares de herança, a maior parte para ser usada em operações terroristas.

Mas nem é preciso ir longe. Há muito tempo sabe-se que integrantes das famílias reais da Península Arábica financiam o extremismo islâmico ao redor do mundo — e, por vezes, também o terrorismo associado a ele. Em 2017, o Catar, um pequeno e rico emirado, enfrentou a fúria dos vizinhos por ter passado do ponto. O país foi acusado naquele ano de ter pago 1 bilhão de dólares a um grupo terrorista na Síria como resgate por 26 integrantes de sua família real. A suspeita era de que o sequestro era uma armação para justificar a transferência de dinheiro.  

E não há apenas ricaços islamistas suspeitos de financiar o terror. Em 2015, Rinat Akhmetov, um bilionário ucraniano do setor de mineração, foi investigado por ter, supostamente, financiado grupos separatistas de seu país envolvidos em ações terroristas. A investigação não deu em nada. Akhmetov é considerado o homem mais rico da Ucrânia, com uma fortuna de 5,9 bilhões de dólares (antes da guerra no leste do país, ele tinha mais de 22 bilhões de dólares).

Bilionários e seus herdeiros costumam preferir essa posição confortável de usar seu dinheiro para deixar que outros façam o serviço sujo. O caso da família de milionários-bomba do Sri Lanka é um ponto fora da curva.

Não que terroristas suicidas sejam sempre pessoas pobres, sem instrução. Na realidade, é o oposto. Um estudo dos perfis de terroristas palestinos em Israel e na Cisjordânia, envolvidos em ataques entre 1987 e 2002, mostrou que o índice de pobreza entre eles era a metade (15%) do que se verificava na média da população palestina (30%). Outros levantamentos feitos com terroristas no Iraque e nos atentados realizados na Europa indicam a mesma tendência: eles costumam ter um padrão de vida mais alto e ter mais instrução do que a média de suas comunidades.

Dinheiro não compra sensatez.  

Sobre o Autor

Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto, com André Liohn) e “No Teto do Mundo” (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).

Sobre o Blog

“O que mantém a humanidade viva?”, perguntava-se o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Essa é a pergunta que motiva esse blog a desembaraçar o noticiário internacional – e o nacional, também, quando for pertinente – e a lançar luz sobre fatos e conexões que não receberam a atenção devida. Esse é um blog que quer surpreender, escrito por alguém que gosta de ser surpreendido.