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Diogo Schelp

Os brasileiros elegeram um diretor de marketing ou um presidente?

Diogo Schelp

28/04/2019 12h32

Jair Bolsonaro

O diretor de marketing,ops, presidente do Brasil Jair Bolsonaro (Foto: Fábio Motta/Estadão Conteúdo)

Jair Bolsonaro gosta de relembrar que atuou como deputado em sete mandatos. Tem experiência como legislador, portanto. Quando os brasileiros o elegeram presidente, confiaram a ele uma nova tarefa, a de administrador. Até agora, porém, ele tem demonstrado um erro comum cometido por profissionais recém-alçados à função de gestores: micromanagement ("microadministração", em inglês).

Micromanagement é um estilo de administrar que consiste em ficar observando muito de perto o trabalho de profissionais que estão abaixo na hierarquia, com a obsessão de que tudo saia exatamente, nos mínimos detalhes, como o gestor quer. O micromanager é excessivamente controlador, o que costuma denotar insegurança no cargo.

Os especialistas em gestão costumam criticar esse jeito de administrar porque, no longo prazo, acaba criando graves problemas para o bom funcionamento do empreendimento. Em uma grande empresa, por exemplo, um CEO que gasta tempo com micromanagement perde a visão do todo, deixa os colaboradores desmotivados e inseguros, tem dificuldade de manter os quadros executivos (os melhores profissionais começam a pedir demissão) e atrapalha o andamento dos projetos. Enfim, micromanagement é contraproducente e prejudicial.

O episódio da propaganda do Banco do Brasil que Bolsonaro mandou tirar do ar é uma amostra de micromanagement. Não vou nem entrar na discussão aqui sobre se o presidente está certo ou não quando diz que "a massa" quer "respeito à família" ou se a peça publicitária em questão reflete ou não a realidade brasileira. O fato é que isso não era assunto para o presidente se preocupar. Quem deve saber se uma propaganda passa a mensagem adequada para determinado negócio é o diretor de marketing da empresa. Em grandes companhias, raramente o CEO entra na jogada para avaliar uma campanha publicitária. E quando o faz é apenas para aprová-la em linhas gerais. Dificilmente ele vai gastar tempo assistindo a cada uma das peças da campanha para verificar se elas acertaram o tom.

Bolsonaro não é sequer presidente do Banco do Brasil. Tire o "banco" da descrição do cargo. Ele é presidente do Brasil. Não faz sentido algum ele querer que o Palácio do Planalto aprove propagandas de estatais. Os brasileiros não elegeram um diretor de marketing. Os brasileiros precisam de alguém que faça reformas que tenham impacto positivo no país no longo prazo. Os brasileiros precisam de alguém que olhe para o todo, não para picuinhas. Não para cada crítica que é feita a ele, mesmo que tenha vindo de um ex-presidente que se encontra preso. Não para a maneira como algumas pessoas comemoram o Carnaval.  

O maior micromanager que eu já vi em atuação chamava-se Hugo Chávez e era presidente da Venezuela. Chávez metia-se em cada detalhe da administração de seu país. Havia um momento semanal em que os venezuelanos podiam ver o estilo de micromanager de Chávez em estado bruto: o seu programa de TV dominical "Alô, Presidente", em que ele passava até quatro horas falando em frente às câmaras, discorrendo sobre os mais variados assuntos, cantando, contando piadas, dando sua opinião sobre moda e cultura, anunciando expropriação de empresas e promovendo ou demitindo funcionários públicos ao vivo.

Para sobreviver na cúpula do Poder Executivo da Venezuela, era preciso ser capaz de adivinhar as vontades do chefe e mimetizar com perfeição seu discurso. Certa vez, depois de acompanhar uma coletiva de imprensa de Chávez em Caracas, consegui pegar o então chanceler Nicolás Maduro de lado para uma entrevista exclusiva. Tive a sensação de estar entrevistando o seu chefe. Maduro falava as mesmas coisas, do mesmo jeito e com a mesma impostação de voz de Chávez. Ao comentar o episódio da propaganda do Banco do Brasil, Bolsonaro deu a entender que espera que seus ministros ajam como Maduro, que falem e pensem como ele. Quem está em seu governo precisa seguir sua linha ou "ficar em silêncio".

Jair Bolsonaro está administrando o Brasil como um micromanager. Enquanto isso, o seu vice, Hamilton Mourão, faz mais reuniões relevantes fora do Palácio do Planalto do que ele, como mostrou uma recente reportagem do jornal Estado de S. Paulo. O exemplo da Venezuela prova que o micromanagement não costuma dar certo. Ainda dá tempo de Bolsonaro se dedicar mais aos grandes problemas do Brasil e perder menos energia com questões menores.

 

 

Sobre o Autor

Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto, com André Liohn) e “No Teto do Mundo” (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).

Sobre o Blog

“O que mantém a humanidade viva?”, perguntava-se o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Essa é a pergunta que motiva esse blog a desembaraçar o noticiário internacional – e o nacional, também, quando for pertinente – e a lançar luz sobre fatos e conexões que não receberam a atenção devida. Esse é um blog que quer surpreender, escrito por alguém que gosta de ser surpreendido.