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Diogo Schelp

Reação à crise na Venezuela mostra que PT repetiria seus erros no poder

Diogo Schelp

02/05/2019 16h15

Gleisi Hoffmann

A deputada federal Gleisi Hoffmann, presidente do PT, uma das signatárias do comunicado a favor de Maduro (Foto: Marcio Komesu/UOL)

Em 2005, em uma das minhas primeiras viagens como jornalista à Venezuela, deparei-me, ao entrar no avião rumo a Caracas, com um grupo de integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, todos devidamente identificados com bonés e camisetas vermelhas com símbolo do MST. Uma das mulheres estava com um chapéu de palha, como se tivesse vindo direto de uma invasão. Eles me contaram que o propósito da viagem era participar de um encontro de confraternização com os sem-terra venezuelanos. "Para ensinar as táticas do movimento brasileiro?", perguntei. "Que nada, eles não precisam disso", responderam-me.

Não precisavam mesmo, como pude atestar pessoalmente durante minha estadia no país. O presidente Hugo Chávez havia criado o próprio movimento sem-terra praticamente do zero e estava mandando desapropriar fazendas para a sua "reforma agrária". Isso não era feito com base em índices de produtividade. Os critérios eram políticos: proprietários que apoiavam a oposição eram os primeiros a terem suas terras expropriadas. Em umas das propriedades que visitei haviam sido assentadas 230 pessoas. Não estavam fazendo absolutamente nada, apesar de existir nas terras uma plantação de milho pronta para ser colhida, que havia sido cultivada pelo dono original da fazenda. Ele chegou a reverter a expropriação em quatro decisões judiciais, mas todos os juízes foram destituídos de seus cargos a mando do governo. Naquele ano, Hugo Chávez ainda não havia completado o processo de aniquilação total da independência do Poder Judiciário.

Lula ainda estava em seu primeiro mandato presidencial no Brasil, mas a simbiose com o governo de Hugo Chávez era evidente. Com sua política externa partidária (e não de Estado, como deveria ser), Lula enviava seus conselheiros mais próximos, como José Dirceu e Marco Aurélio Garcia, à Venezuela para dar apoio ao governo boliviariano a cada nova crise em que Chávez se metia. O PT enaltecia as supostas "conquistas do chavismo", alcançadas com métodos e mão de obra importados de Cuba. A política de desapropriação do setor produtivo (incluindo indústrias e propriedades rurais) ainda não tinha tido o efeito que se vê hoje nas gôndolas vazias, nos frequentes apagões e na emigração em massa, mas os indicadores sociais e econômicos já apontavam para o desastre: a proporção de pobres havia crescido de 43% para 54%, o desemprego havia subido de 11% para 16%, o número de indústrias havia caído de 11.000 para 5.000 e os investimentos estrangeiros haviam desabado pela metade. Isso ainda em 2005! O caos só não era geral porque Chávez desfrutava de sólidas reservas internacionais — graças ao preço do petróleo, que havia mais do que triplicado no intervalo de três anos.

A Operação Lava Jato revelou que havia mais do que simplesmente simbiose ideológico-partidária nas boas relações do governo petista com o chavismo. Em 2016, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos estimou em 98 milhões de dólares as propinas pagas pela construtora Odebrecht a autoridades venezuelanas. A investigação conduzida pela ex-procuradora Luisa Ortega Díaz, que atualmente vive no exílio, encontrou um número ainda maior: 173 milhões de dólares em propinas, sendo que 30 milhões de dólares teriam sido destinados à campanha presidencial de Nicolás Maduro — aquela que teve o brasileiro João Santana como marqueteiro e em que Lula atuou como garoto-propaganda, em uma clara ingerência em assuntos internos de um país vizinho.   

João Santana e sua mulher Mônica Moura, aliás, confessaram em delação premiada terem recebido 20 milhões de dólares em pagamento não contabilizado (caixa 2) pela campanha à reeleição de Chávez, em 2012. Parte do dinheiro foi pago pelo então chanceler Nicolás Maduro, e outra parte diretamente por construtoras brasileiras com interesses na Venezuela. Santana e Moura disseram em seus depoimentos que, quando faziam campanhas em outros países, frequentemente era a pedido do próprio Lula.

É difícil não lembrar de tudo isso quando se lê o comunicado do PT, divulgado na terça-feira, 30, a respeito da tentativa da oposição venezuelana de pressionar pela renúncia de Nicolás Maduro. O texto diz que o movimento é uma "tentativa de golpe" (ignorando o fato de que é Maduro quem ocupa ilegalmente o poder) e que o governo chavista tem amplo apoio popular, "após anos de políticas voltadas ao bem-estar da população". Segundo relatório da ONU, com dados de 2018, 94% — isso mesmo, quase a totalidade — da população da Venezuela vive na pobreza e uma em cada cinco crianças com menos de 5 anos sofre de desnutrição crônica.

O comunicado do Partido dos Trabalhadores não é apenas uma distorção desonesta e desumana da realidade. É também uma prova de que os líderes do PT se recusam a aprender com seus erros. E que, se voltarem ao poder, estarão preparados para repetí-los de novo e de novo.

Sobre o Autor

Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto, com André Liohn) e “No Teto do Mundo” (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).

Sobre o Blog

“O que mantém a humanidade viva?”, perguntava-se o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Essa é a pergunta que motiva esse blog a desembaraçar o noticiário internacional – e o nacional, também, quando for pertinente – e a lançar luz sobre fatos e conexões que não receberam a atenção devida. Esse é um blog que quer surpreender, escrito por alguém que gosta de ser surpreendido.