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Diogo Schelp

Queda de Maduro passa por Moscou

Diogo Schelp

06/05/2019 14h45

Nicolás Maduro e Putin

Nicolás Maduro com Vladimir Putin em 2015 (Imagem: Sergei Chirikov/Pool photo via AP)

Juán Guaidó — reconhecido como presidente interino da Venezuela por cinco dezenas de países, incluindo o Brasil — pode ter se precipitado em sua tentativa de anunciar um levante militar para assumir de fato o poder, no último dia 30 de abril (fracassando em seu intuito, como previ horas depois que aconteceria), mas isso não significa que o ditador Nicolás Maduro esteja firme no cargo. Há alguns indícios de que ele está enfraquecido. Não ocorreu a debandada em massa de generais para o lado da oposição, como esperava o governo americano, mas aparentemente houve negociações nesse sentido, segundo admitiu o próprio ministro da Defesa de Maduro, o general Vladimir Padrino. "Quiseram me comprar como se eu fosse um mercenário", disse ele. Além disso, o general Manuel Cristopher Figuera, chefe da Sebin, a sinistra polícia política do chavismo, deixou o cargo depois de ser acusado de traidor e de divulgar uma estranha carta com críticas ao governo. O que faltou para a conspiração entre os generais e a oposição dar certo? Ao que tudo indica, faltou combinar com os russos.

O secretário de Estado americano, Mike Pompeo, disse no próprio dia 30 que Maduro já tinha até um avião de prontidão para ser levado para o exílio, mas que na última hora o governo russo o dissuadiu de fugir. A diplomacia russa negou a informação. O fato é que nesta segunda-feira, 6, Pompeo se reúne na Finlândia com o chanceler russo, Sergei Lavrov, para discutir, entre outras coisas, a situação na Venezuela — depois de um fim de semana de alfinetadas entre os dois. Desde que a Assembleia Nacional, a única instituição com legitimidade democrática na Venezuela, nomeou Guaidó como presidente interino, os dois países que mais fortemente apoiaram Maduro foram a Rússia e a China. Ambos têm interesses comerciais na Venezuela, mas a Rússia tem razões mais fortes para querer influenciar no futuro do país. Se houver um arranjo para uma transição política na Venezuela que atenda as preocupações russas, dificilmente Maduro se segura. Eis abaixo alguns fatos que comprovam a relevância que a Rússia poderá ter na solução da crise venezuelana:

  • A Venezuela recebeu pelo menos 17 bilhões de dólares em empréstimos e investimentos de Moscou desde 2006 — dinheiro que o chavismo deveria pagar em parte com petróleo. O problema é que a ineficiência da indústria petrolífera na Venezuela é tal que a Rússia está recebendo apenas metade dos barris diários prometidos. Se a Rússia obtiver garantia de que um novo governo honrará o compromisso de pagamento da dívida, um dos obstáculos para o seu apoio à queda de Maduro será afastado;
  • Rosneft, a estatal de gás e petróleo da Rússia, detém quase 50% das ações da Citgo, a subsidiária americana da PDVSA, a estatal de petróleo venezuelana. A Citgo é dona de três refinarias nos Estados Unidos. Trata-se, evidentemente, de uma participação estratégica para o governo russo, que não perde uma chance de estender seus tentáculos econômicos em terras americanas (é bom lembrar que os Estados Unidos mantêm diversas formas de sanções econômicas contra indivíduos e entidades russas). Este ano, o governo de Donald Trump entregou as contas da Citgo em bancos americanos a Juan Guaidó, ameaçando os interesses russos nas refinarias. A Rosneft tem bons motivos para querer resolver esse imbróglio, assim como tem interesse em assegurar sua participação em pelo menos cinco campos de petróleo na Venezuela;
  • A Venezuela é uma grande compradora de armas russas. Já adquiriu caças, mísseis terra-ar, tanques e fuzis, entre outros equipamentos. E a Rússia participa frequentemente de exercícios em conjunto com as Forças Armadas da Venezuela. Trata-se de uma oportunidade única para o presidente russo Vladimir Putin exibir seus músculos a poucos quilômetros de distância do território americano. Em dezembro de 2018, dois aviões russos com capacidade para carregar bombas nucleares até o território americano pousaram na Venezuela. O interesse geopolítico da Rússia na Venezuela deve permanecer, e sem dúvida incomoda os Estados Unidos. Esse deve ser um dos pontos mais delicados em uma negociação sobre o futuro da Venezuela;
  • Juan Guaidó sabe dos interesses da Rússia na Venezuela e por isso mesmo vem tentando uma aproximação com a diplomacia de Putin. No mês passado, representantes de Guaidó encontraram-se na Colômbia com diplomatas russos e chineses, entre outras nacionalidades, com o intuito de trazê-los para o lado da oposição. Em fevereiro passado, Guaidó disse que não via um apoio tão incondicional da Rússia a Maduro como se costuma divulgar. Enfim, ele tem se esforçado para mostrar que está aberto a ceder para trazer os russos para o seu lado. A julgar pelas declarações do governo russo, porém, não tem feito o suficiente. Lavrov disse no mês passado que Guaidó deveria negociar com Maduro e só não o faz porque se ampara "exclusivamente" no apoio de Washington;
  • Na sexta-feira, 3, Trump disse que falou durante uma hora (a diplomacia russa disse que foram 90 minutos) com Putin para discutir a questão da Venezuela, entre outros temas. Esse foi um dos muitos sinais recentes de que o governo americano se convenceu de que precisa envolver a Rússia na busca por uma saída para a questão venezuelana.

É provável que o governo russo já esteja contando com o fato de que a queda de Maduro é apenas questão de tempo e que é preciso estar bem posicionado para não ter seus interesses suplantados numa eventual transição política. A habilidade dos diplomatas de Putin no caso está bem demonstrada. Resta saber se os diplomatas de Trump saberão usar a oportunidade para obter uma solução negociada para o caos venezuelano.

 

Sobre o Autor

Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto, com André Liohn) e “No Teto do Mundo” (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).

Sobre o Blog

“O que mantém a humanidade viva?”, perguntava-se o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Essa é a pergunta que motiva esse blog a desembaraçar o noticiário internacional – e o nacional, também, quando for pertinente – e a lançar luz sobre fatos e conexões que não receberam a atenção devida. Esse é um blog que quer surpreender, escrito por alguém que gosta de ser surpreendido.