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Diogo Schelp

O que o tuíte-bomba de Trump representa para o Brasil

Diogo Schelp

07/05/2019 04h04

Trump e Bolsonaro

Trump e Bolsonaro (Imagem: Arte/UOL)

O presidente americano Donald Trump soltou mais um de seus tuítes-bomba nesta segunda-feira, 6. A dois dias da chegada aos Estados Unidos de uma delegação da China que participará da rodada final das negociações para encerrar a disputa tarifária entre os dois países, Trump escreveu que, a partir de sexta-feira, 10, vai aumentar de 10% para 25% a tarifa de importação sobre produtos chineses que representam 200 bilhões de dólares no comércio bilateral. E que, em breve, vai taxar na mesma proporção outros 325 bilhões de dólares em importação da China. Trump teria ficado incomodado com os sinais de que os negociadores chineses pretendiam voltar atrás em alguns pontos com os quais já haviam concordado.

Antes do anúncio do aumento das tarifas, especialistas em comércio internacional já estavam até analisando a agenda do presidente para tentar adivinhar em que data um acordo entre Trump e o presidente chinês Xi Jinping seria assinado. O tuíte-bomba reduziu bastante as esperanças de todo mundo. A bolsa de valores em São Paulo fechou o dia com uma queda de pouco mais de 1% e a cotação do dólar subiu. Mas houve quem visse a notícia com otimismo. A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, por exemplo, comemorou. Disse que se não houver acordo entre Estados Unidos e China, o Brasil vai ser beneficiado. Isso porque os chineses tendem a adotar medidas de retaliação, o que inclui aumentar as tarifas de importação da soja americana, principal concorrente da commodity brasileira. De fato, o natural é que o Brasil passe a exportar mais soja para a China, como já ocorreu no ano passado, quando a venda do grão para o país asiático cresceu 23% em relação a 2017.

Mas a questão é mais complexa do que parece. Se de um lado a guerra tarifária pode aumentar os ganhos do agronegócio, de outro tem potencial para prejudicar a economia global, com reflexos negativos principalmente para economias emergentes como o Brasil.

A economia chinesa representa cerca de 15% do PIB global. Um estudo da consultoria McKinsey divulgado em dezembro passado mostrou que o mundo está mais dependente da China, enquanto a China está menos dependente do resto do mundo para crescer. Apesar do crescimento do PIB chinês ter desacelerado nos últimos anos — a previsão é de um incremento de 6,3% este ano —, seu dinamismo agora é cada vez menos ancorado em exportações e mais em consumo interno, graças ao fato de o país ainda estar em franco processo de urbanização e ter muito espaço para aumentar sua produtividade. Isso significa que a China está se tornando um comprador e um investidor importante para o resto do mundo.

Apesar dessa nova realidade, as medidas protecionistas americanas (que em alguns aspectos é correta, como na exigência de regras de proteção de propriedade intelectual mais claras) podem, sim, ter o efeito de frear ainda mais o crescimento chinês em um ano com previsões pessimistas para a economia global como um todo. No mês passado, o Fundo Monetário Internacional (FMI), reduziu sua previsão de crescimento do PIB mundial para 2019 pela quarta vez consecutiva. A estimativa está em 3,3%, uma redução de 0,2 ponto percentual em relação ao que foi divulgado em janeiro. A China e a Índia são os dois países que normalmente "puxam" essa estimativa para cima. (A estimativa para o Brasil caiu de 2,5% para 2,1%.) Num cenário pessimista, não apenas o comércio mundial é prejudicado; também os investidores tendem a tirar seu capital de países emergentes, considerados mais instáveis, para colocá-lo em economias mais seguras. Países como Brasil e Argentina, que já não estão conseguindo fazer as reformas necessárias para atrair investidores, estarão entre os primeiros a serem abandonados.

No fim das contas, é provável que os ganhos comerciais com a guerra tarifária entre Estados Unidos e China sejam suplantados pelos efeitos em cascata de uma conjuntura internacional negativa.

 

 

Sobre o Autor

Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto, com André Liohn) e “No Teto do Mundo” (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).

Sobre o Blog

“O que mantém a humanidade viva?”, perguntava-se o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Essa é a pergunta que motiva esse blog a desembaraçar o noticiário internacional – e o nacional, também, quando for pertinente – e a lançar luz sobre fatos e conexões que não receberam a atenção devida. Esse é um blog que quer surpreender, escrito por alguém que gosta de ser surpreendido.