Topo

Diogo Schelp

Jair Bolsonaro e o nascimento das teorias conspiratórias

Diogo Schelp

24/05/2019 04h14

Bolsonaro e filhos

O clã Bolsonaro (Foto: Flickr)

As manifestações pró-Bolsonaro marcadas para domingo, 26, têm na pauta a aprovação da reforma da Previdência e a defesa do pacote anticrime do ministro da Justiça Sergio Moro, mas empolgaram mesmo as redes sociais com palavras de ordem contra a elite política do país, que estaria conspirando para puxar o tapete do presidente. (Falou-se até em invadir o Congresso e exigir a renúncia dos ministros do Supremo Tribunal Federal.) O próprio Jair Bolsonaro alimentou essa teoria ao distribuir, por WhattsApp, na sexta-feira, 17, um texto afirmando que há forças ocultas em todos os poderes da República atuando para impedi-lo de governar. Mesmo políticos que o apoiam consideraram que ele estava se deixando levar por teorias da conspiração. Dois dias depois, ao compartilhar uma entrevista de TV com um pastor congolês que classificou Bolsonaro como "enviado por Deus", o presidente afirmou que "não existe teoria da conspiração".

Teorias da conspiração estão sempre à mão quando o clã Bolsonaro precisa dar vazão a alguma frustração política ou manter em alerta sua base de apoiadores. Antes mesmo de Jair Bolsonaro assumir a presidência, ainda na transição de governo, seu filho Carlos Bolsonaro, vereador do Rio de Janeiro, escreveu no Twitter que havia pessoas próximas ao seu pai que desejavam sua morte. O pensamento conspiracionista também embasou a decisão de não sediar uma conferência da ONU sobre mudança climática no Brasil. E, até poucos dias atrás, os olavistas, incluindo Carlos, faziam circular a teoria de que o núcleo militar do governo estava conspirando contra o presidente.

Se Bolsonaro e seus filhos vão tirar uma conspiração da cartola a cada crise ou dificuldade de lidar com o Congresso, cumpre entender como funciona a cabeça das pessoas que acreditam nessas teorias.

O fenômeno já foi bem estudado por cientistas políticos, historiadores e, mais recentemente, psicólogos. Pesquisas americanas mostram que as teorias conspiratórias têm apelo semelhante entre pessoas de espectros políticos opostos. Ou seja, há conspirações para todos os gostos. O que elas têm em comum é o fato de serem explicações simplistas para fatos que causam certa angústia individual e coletiva e que são difíceis de entender. Em um mundo cada vez mais interconectado e complexo, as teorias conspiratórias vicejam. Com frequência, a explicação alternativa que se encontra para os eventos que geram incerteza consiste em dizer que eles foram provocados por alguma organização secreta ou grupos de pessoas com intenções escusas.

Quem tem propensão a acreditar em teorias conspiratória costuma ter dificuldade em aceitar que certos fatos têm múltiplas causas e que nem sempre é possível encontrar uma culpado para eles. Em vez de tentar compreendê-los em toda a sua complexidade, é mais fácil acatar uma resposta simples. Essa forma de pensar deveria dar conforto a essas pessoas, mas um artigo publicado em 2017 pelos pesquisadores Karen Douglas, Robbie Sutton e Aleksandra Cichocka, especialistas em psicologia social da Universidade de Kent, no Reino Unido, sugere que o oposto é mais factível. Ou seja, acreditar em teorias conspiratórias apenas aumenta o sentimento de alienação e a falta de compreensão do mundo.

Os autores do artigo dividiram em três as motivações para acreditar em teorias conspiratórias: epistêmica, existencial e social.

A motivação epistêmica é a necessidade ou o desejo de ter uma compreensão precisa dos fatos, de se assegurar de que se é capaz de ter uma certeza subjetiva em relação a eles. Quando as informações a respeito de um fato são conflitantes ou incompletas, ou quando ele é simplesmente fruto do acaso, algumas pessoas passam a recorrer à especulação e a encontrar sinais de que há razões ou atos ocultos por trás dele. Ou seja, de que há um conluio para esconder da maioria das pessoas o que realmente está acontecendo. Como resultado, qualquer um que tentar derrubar, com argumentos, a teoria conspiratória será considerado parte da conspiração.

A motivação existencial "serve à necessidade que as pessoas têm de se sentir seguras em seu ambiente e de exercer controle" sobre o que ocorre ao redor delas como seres autônomos ou como membros de uma coletividade. As teorias conspiratórias são uma forma de elas se convencerem de que são capazes de identificar indivíduos suspeitos e atitudes perigosas para poder se proteger do risco que eles representam. O sentimento de desconfiança em relação a estrangeiros é um exemplo desse tipo de motivação para acreditar em teorias conspiratórias. Ocorre que, no longo prazo, as pessoas que creem na existência dessas conspirações tendem a tomar menos atitudes que possam aumentar sua autonomia e controle sobre os acontecimentos sociais. Em outras palavras, elas tendem a participar menos de processos políticos efetivos como votar e filiar-se a partidos.

A motivação social, por fim, é o desejo de manter uma imagem positiva de si mesmo ou do grupo a que se pertence. As teorias da conspiração valorizam tanto a autoimagem quanto o sentimento de pertencimento, pois permitem atribuir eventuais falhas a outras pessoas ou grupos. A tentativa dos bolsonaristas de encontrar culpados para os insucessos do governo até agora é uma amostra disso. Em casos como esse, a crença no complô tem um sentido defensivo associado a narcisismo, individual e coletivo. O indivíduo ou o grupo confia na própria grandeza "na mesma proporção em que acredita que outros não a apreciam o bastante".

Eis por que se escuta com tanta frequência que não apoiar essa ou aquela medida do governo Bolsonaro "é ser contra o Brasil". A expressão sintetiza com perfeição o caráter defensivo-narcisista do bolsonarismo.

 

Sobre o Autor

Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto, com André Liohn) e “No Teto do Mundo” (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).

Sobre o Blog

“O que mantém a humanidade viva?”, perguntava-se o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Essa é a pergunta que motiva esse blog a desembaraçar o noticiário internacional – e o nacional, também, quando for pertinente – e a lançar luz sobre fatos e conexões que não receberam a atenção devida. Esse é um blog que quer surpreender, escrito por alguém que gosta de ser surpreendido.