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Diogo Schelp

O Monte Everest está superlotado, mas menos perigoso

Diogo Schelp

24/05/2019 17h30

Monte Everest

Congestionamento na subida do Monte Everest, no dia 22 (Imagem: Project Possible/AFP)

O escritor americano Jon Krakauer postou em sua conta no Instagram a foto acima no Everest, tirada nesta quarta-feira, 22, pelo alpinista Nirmal Purja. "Assustador", escreveu Krakauer, referindo-se à quantidade de gente espremendo-se na estreita trilha da aresta sudeste, que leva ao cume da montanha mais alta do mundo pelo lado nepalês (é possível subir também pelo Tibete, na China). Krakauer escalou o Everest em 1996, uma das temporadas mais letais da história da montanha, com doze mortes. A experiência motivou-o a escrever "No ar rarefeito", o mais popular livro sobre a escalada do Monte Everest.

O congestionamento de alpinistas assusta porque tem sido citado como a causa de algumas das mortes que ocorreram nesta temporada (entre abril e início de junho, quando as condições climáticas são mais favoráveis). Já foram registradas oito mortes este ano. O guia de uma das agências de escalada que opera na montanha contou que o indiano Nihal Bagwan sucumbiu na descida, que também estava congestionada. Exausto, não aguentou ficar parado no frio e morreu quando chegou ao acampamento 4 — o mais alto, a 8.000 metros altitude, ainda na chamada zona da morte, onde o ar rarefeito faz o corpo definhar aos poucos por falta de oxigênio.

Imagens como essa também contribuem para desfazer a aura de romantismo que porventura ainda resiste nas expedições para o Everest e dão a impressão de que já não há mérito algum em escalar a montanha. Não é bem assim, mas de fato o glamour já se perdeu.

Com o aquecimento global, a camada de neve sobre a montanha diminui e os corpos de alpinistas mortos em outras temporadas vêm à tona. Os escaladores passam pelos cadáveres rumo ao cume. Os primeiros corpos até causam algum impacto nos novatos, mas logo eles se acostumam… afinal, há um objetivo a cumprir e todos gastaram muito para estar ali. Essa banalização talvez seja o mais assustador de tudo.

Proporcionalmente, porém, há menos mortes no Monte Everest. Um levantamento feito pelo alpinista Alan Arnette mostra que entre 1923 e 1999, 170 pessoas morreram na montanha, o que equivale a 14,5% do total de 1.169 tentativas de chegar ao cume. Entre 2000 e 2019, ocorreram 123 mortes, o que representa 1,7% do total de 7.990 ascensões. A explicação é que os equipamentos são melhores, a tecnologia de previsão de tempo está mais confiável e há mais gente recorrendo a guias e agências profissionais para ajudar na escalada.

Com oito mortes até agora, porém, 2019 aproxima-se perigosamente da marca de 1996, o "ano do desastre".

 

 

Sobre o Autor

Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto, com André Liohn) e “No Teto do Mundo” (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).

Sobre o Blog

“O que mantém a humanidade viva?”, perguntava-se o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Essa é a pergunta que motiva esse blog a desembaraçar o noticiário internacional – e o nacional, também, quando for pertinente – e a lançar luz sobre fatos e conexões que não receberam a atenção devida. Esse é um blog que quer surpreender, escrito por alguém que gosta de ser surpreendido.