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Diogo Schelp

O que há por trás da guerra de Trump contra a empresa chinesa Huawei

Diogo Schelp

30/05/2019 04h32

Huawei

Loja da Huawei na China. (Foto: Wong Campion/Reuters)

Uma mudança de estratégia com potencial para impactar radicalmente na geopolítica mundial está em curso: o governo americano está deixando de considerar a relação comercial quase simbiótica entre Estados Unidos e China — o que garantiu a paz entre as duas potências nas últimas décadas — algo que deve se sobrepor a outras preocupações, como a segurança cibernética. O presidente Donald Trump e seu entorno estão convictos de que é preciso conter a crescente influência de empresas chinesas no setor de alta tecnologia. A percepção é de que a China vem colocando em prática um plano para infiltrar-se lentamente em todas as camadas da indústria digital para tornar o mundo dependente de sua tecnologia.

Essa inflexão nas relações sino-americanas alcançou um ponto crucial este mês, com o veto do governo americano à Huawei, a maior empresa de tecnologia da China e segunda maior fabricante de celulares do mundo, atrás apenas da Samsung. O boicote foi feito com duas medidas. Na primeira, Trump proibiu empresas americanas de usar equipamentos de telecomunicações que representem um risco para a segurança nacional. Seu governo já havia acusado a Huawei de ser vulnerável aos desígnios do Partido Comunista Chinês e de ser usada como cavalo de Troia para a ciberespionagem chinesa. Em dezembro do ano passado, Meng Wanzhou, CFO da Huawei e filha do fundador da empresa Ren Zhengfei, foi presa no Canadá a pedido dos Estados Unidos, acusada de violar sanções americanas contra o Irã.

A segunda medida foi a inclusão da Huawei em uma lista de empresas estrangeiras para as quais, na prática, as companhias americanas não podem exportar sem obter autorização prévia do governo americano. O efeito foi imediato. O Google anunciou que deixaria de fornecer a atualização do sistema Android para a Huawei. Empresas de tecnologia de outros países, temendo sofrer sanções indiretas nos Estados Unidos, tomaram decisões parecidas.

Se o boicote for mantido por muito tempo, as operações da Huawei, que desenvolveu um sistema 5G para a próxima geração de celulares com preço imbatível, estarão seriamente ameaçadas. A empresa investiu fortemente nos últimos anos para produzir a maior proporção de componentes essenciais de seus produtos em suas próprias fábricas, mas nenhuma empresa de tecnologia consegue ser totalmente independente de fornecedores globais.

Apesar de o governo Trump insistir que a preocupação em relação à Huawei se deve ao risco de espionagem, o verdadeiro motivo pode estar em algo mais decisivo no longo prazo: qual país terá o controle de fato sobre a internet? Atualmente, esse poder pertence aos Estados Unidos. Mas a China, com suas empresas de tecnologia, está ganhando terreno. Em algum momento, no futuro, o governo chinês poderia mandar derrubar a internet em boa parte do mundo, como já é capaz de fazer dentro de seu país, como forma de fazer pressão diante de uma crise geopolítica.

A queda de braço iniciada por Trump, porém, tem um risco. Ao estrangular o fornecimento de componentes vitais para a Huawei, os Estados Unidos forçam a China a acelerar ainda mais seus esforços para dominar todas as etapas do desenvolvimento de tecnologia para a internet.

O secretário de Estado americano Mike Pompeo disse recentemente que o mundo precisa de um ambiente único onde a informação possa fluir, "mas tem que ser um sistema com valores ocidentais, com estado de direito, proteção da propriedade intelectual, transparência e abertura. Não pode ser um sistema que é baseado em um regime autoritário, comunista".

No lugar da corrida armamentista, a Guerra Fria da atualidade consiste em uma corrida pelo domínio da tecnologia digital.

 

Sobre o Autor

Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto, com André Liohn) e “No Teto do Mundo” (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).

Sobre o Blog

“O que mantém a humanidade viva?”, perguntava-se o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Essa é a pergunta que motiva esse blog a desembaraçar o noticiário internacional – e o nacional, também, quando for pertinente – e a lançar luz sobre fatos e conexões que não receberam a atenção devida. Esse é um blog que quer surpreender, escrito por alguém que gosta de ser surpreendido.