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Diogo Schelp

Visita de Bolsonaro à Argentina não tira votos de Macri

Diogo Schelp

06/06/2019 14h58

Bolsonaro

Encontro entre os presidentes Jair Bolsonaro e Mauricio Macri em Buenos Aires nesta quinta-feira, 6 (Foto: Agustin Marcarian/Reuters)

O presidente Jair Bolsonaro disse, nesta quinta-feira (6), em declaração conjunta com o colega argentino Mauricio Macri, em Buenos Aires, que "não queremos novas Venezuelas na região". Não dá para discordar dele neste ponto. Quem quer outra Venezuela na América Latina?

Bolsonaro também pediu que os argentinos votem com a razão, e não com a emoção, nas eleições presidenciais marcadas para outubro no país. Não é usual que um presidente estrangeiro diga como um povo deve votar, mas o ex-presidente Lula já abriu o precedente e Bolsonaro não age exatamente como um estadista em suas viagens internacionais. É claro que a imprensa argentina ligou o conselho de como votar à referência à Venezuela e concluiu, corretamente, que Bolsonaro estava fazendo um pedido velado de voto a Macri, para derrotar a chapa Alberto Fernández/Cristina Kirchner.

No Brasil, há quem tenha chegado à conclusão de que Macri pode perder votos ao receber Bolsonaro. Trata-se de uma grande bobagem. As declarações de Bolsonaro em Buenos Aires não servem nem para fortalecer, nem para enfraquecer a candidatura à reeleição de Macri. Os eleitores argentinos de centro que rejeitam a chapa kirchnerista, mas não gostam do que Bolsonaro representa em termos ideológicos, não vão deixar de votar em Macri só porque o brasileiro o elogiou. Macri não é Bolsonaro. Trata-se de um político moderado, de centro-direita, liberal na economia e conservador nos costumes. Se ele perder as eleições, vai ser por causa do péssimo desempenho da economia argentina.

Os palpites eleitorais de Bolsonaro na Argentina replicam a postura que o presidente americano Donald Trump adotou em sua visita à Inglaterra, esta semana. Trump afirmou que o ex-prefeito de Londres Boris Johnson "faria um bom trabalho" se fosse escolhido primeiro-ministro britânico, em substituição a Theresa May, que ofereceu sua renúncia. Parte da imprensa britânica também deixou-se levar pelo wishful thinking de que o apoio de Trump pode ser prejudicial a Johnson. ("Wishful thinking" é uma expressão em inglês que se refere à crença de que algo vai acontecer apenas porque se tem o desejo de que aconteça.)

Bolsonaro precisaria se esforçar muito para queimar o filme de Macri. Se ele resistir à tentação de elogiar a ditadura argentina, que levou ao desaparecimento ou à morte de 30.000 pessoas ao longo de sete anos, dificilmente causará danos à reeleição de Macri.

Sobre o Autor

Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto, com André Liohn) e “No Teto do Mundo” (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).

Sobre o Blog

“O que mantém a humanidade viva?”, perguntava-se o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Essa é a pergunta que motiva esse blog a desembaraçar o noticiário internacional – e o nacional, também, quando for pertinente – e a lançar luz sobre fatos e conexões que não receberam a atenção devida. Esse é um blog que quer surpreender, escrito por alguém que gosta de ser surpreendido.