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Diogo Schelp

Países ricos 'têm que nos ajudar a pagar' por preservação, diz ministro

Diogo Schelp

08/06/2019 04h40

Ricardo Salles

Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente (Foto: Marlene Bergamo/Folhapress)

Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, que comemora 44 anos neste sábado (8), viveu o auge do seu inferno astral na quinta-feira (6), quando foi vaiado e xingado ao participar de um evento no Senado em comemoração ao Dia Mundial do Meio Ambiente. Na realidade, ele tem apanhado metaforicamente desde que assumiu a pasta. O próprio Salles atribui isso ao fato de ser, na sua visão, o único ministro do Meio Ambiente não militante das últimas décadas, como ele explica na entrevista a seguir, concedida a este blog na sexta-feira (7) em uma sala de reuniões espartana do escritório do Ibama em São Paulo. Na conversa, Salles disse que em administrações anteriores havia excessos na aplicação de multas por parte de órgãos ambientais, mas que não deu nenhuma ordem para reduzir as autuações. O ministro também expôs seu plano de propor aos países do G20 que ajudem o Brasil a remunerar os donos de terras que mantiverem áreas de vegetação natural intactas para além do que estabelece o Código Florestal. Confira a entrevista:

Costuma-se dizer que o gabinete ministerial de Jair Bolsonaro tem três núcleos: o militar, o técnico e o ideológico. Você se inclui em qual núcleo?

Acho que estou no núcleo técnico. Fui uma indicação técnica do presidente, pois já havia sido secretário de Meio Ambiente em São Paulo. No estado, fiz o que agora pretendemos fazer em todo o Brasil. Ou seja, a compatibilização da agenda de desenvolvimento econômico com a defesa do meio ambiente. Não há como ter proteção do meio ambiente sem desenvolvimento econômico e não tem sentido ter desenvolvimento econômico sem preservar o meio ambiente.

Houve, por parte do presidente, uma orientação clara para que o Ministério do Meio Ambiente não seja um empecilho para os interesses do agronegócio?

Ele disse que o meio ambiente tem que ser preservado, mas precisa também permitir que haja desenvolvimento econômico. Não se trata de uma agenda exclusiva para o agronegócio. Ele quer esse equilíbrio para todos setores: industrial, imobiliário, de serviços, agronegócio e infraestrutura.

Por que há tanta desconfiança dos ambientalistas e do próprio quadro de funcionários dos órgãos ambientais em relação a você?

O Ministério do Meio Ambiente foi, historicamente, gerido por ambientalistas que não tinham compromisso com o desenvolvimento econômico. Quando assumi o Ministério, eu disse que o desenvolvimento deve estar ligado à agenda de preservação e sustentabilidade. Muitos dos que me criticam e desconfiam de mim não perceberam ou não querem reconhecer a importância dessa objetividade ao tratar dos temas ambientais. Daí a questão já é de desconhecimento ou de engajamento pessoal. E, nesse segundo caso, a desconfiança passa a ter um fundo ideológico ou filosófico. Mas estamos mostrando, pouco a pouco, porque o Ministério toma determinadas decisões. Tudo tem explicação.

Essa desconfiança não se deve ao fato de que, desde o ano passado, membros do que viria a ser o atual governo, inclusive o próprio Jair Bolsonaro, têm feito declarações colocando em dúvida o aquecimento global ou criticando as leis ambientais?

Pode ter um pouco disso. Algumas posições nossas não são exatamente as mesmas de quem vive do ativismo ambiental. Iniciamos discussões de racionalidade que se contrapõem a posições mais genéricas, opinativas e, em certos casos, irracionais. Na minha gestão à frente do MMA, não temos compromisso com dogmas. Nem, eventualmente, com o erro. Se entendermos que alguma medida que estamos defendendo não é exatamente o melhor caminho, podemos perfeitamente mudar o curso do que está sendo feito. Mas, para isso, é preciso haver um convencimento. Não é na base da vedação ao debate, da imposição de verdades absolutas ou de dogmas que vamos pautar a política pública. Ela tem que ser sempre ponderada e analisada com razão e com técnica.

 

O Ministério do Meio Ambiente foi, historicamente, gerido por ambientalistas que não tinham compromisso com o desenvolvimento econômico"

 

Na quinta-feira (6), em evento no Senado, depois que você encerrou sua fala e saiu do plenário sob vaias, o senador Randolfe Rodrigues chamou-o de mentiroso. E houve quem o chamasse de "fujão". Teria sido melhor ficar para enfrentar as perguntas?

Eu fui lá mostrar para a sociedade que o Poder Executivo, no caso o MMA, se alinha com o Legislativo, com o Ministério Público e com o Judiciário na ideia de que todos estamos do lado do meio ambiente. Deve vigorar o respeito entre as instituições, cada uma com sua visão. Estávamos todos lá para defender o meio ambiente — afinal, era o Dia Mundial do Meio Ambiente. Fui lá apresentar a minha visão do que entendo que é o correto, mas aquele não era um local para debate. Por essa razão, entendo como inadequada a postura tanto do senador Randolfe como daqueles que gritaram e vaiaram. Era o momento de cada um expor suas opiniões. Eu tenho as minhas, os outros ali tinham as suas. Eu não me furto ao debate, nunca. Mas aquele era um momento para cada um guardar para si o que ouviu, refletir sobre isso e, eventualmente, em outra oportunidade, com regras equitativas, engajar-se em um debate. Eu de fato tinha um compromisso. Fui, fiz minha manifestação e me retirei, como já estava previsto.

Recentemente, você colocou em questão a eficiência dos projetos bancados com o Fundo Amazônia, que conta com 1,3 bilhão de reais em recursos doados por empresas e países estrangeiros, em especial a Noruega e a Alemanha. O que há de errado com a gestão do Fundo?

O Fundo tem que ter mais foco na escolha e no acompanhamento dos projetos, de tal sorte que possamos mensurar os resultados que ele está atingindo e eventualmente corrigir rumos. Queremos melhorar o Fundo. Ninguém quer fechá-lo ou encerrar suas ações, simplesmente melhorar seus resultado. Mais do que isso, é preciso ter uma sinergia entre o Fundo e o que o governo faz. Em administrações passadas, foram autorizados projetos e contratos para o Fundo que não necessariamente estavam alinhados com os objetivos do governo. Queremos regras de funcionamento mais eficientes e é isso que estamos propondo, junto com o BNDES, aos doadores.

Como os países financiadores receberam a proposta de usar parte do recurso para regularização fundiária?

Essa discussão surgiu de uma matéria jornalística que elencou a regularização fundiária como o objetivo das mudanças que estamos propondo para o Fundo. Na verdade, ela é apenas um item entre outras 10 medidas complementares entre si que, em conjunto, resolverão ou darão maior efetividade às medidas de combate ao desmatamento ilegal. Essas medidas incluem investimento em melhores fontes de informação e imagens; ações de fiscalização com maior inteligência e melhor estratégia; aprovação dos Zoneamentos Ecológico-Econômicos (ZEEs), que estão sendo boicotados há anos por entidades ambientalistas; instituir um processo de análise e aprovação de licenças de exploração; regularização das relações jurídicas entre as Unidades de Conservação e os municípios, os estados e o Distrito Federal. E por último, a regularização fundiária de certas áreas, seja de preservação ambiental, seja de terras indígenas ou seja de assentamentos. O uso do recurso para resolver os conflitos fundiários era só um dos pontos da proposta.

A Noruega cortou pela metade, no governo de Michel Temer, o repasse para o Fundo Amazônia por causa do aumento no desmatamento. O que está sendo feito pela atual gestão para evitar que este ano os índices de desmatamento aumentem novamente?

O aumento no desmatamento ocorre desde 2012. Não é algo do governo Temer, vem desde os governos do PT. Isso demonstra que a ausência de dinamismo econômico na região da Floresta Amazônica e que a falta de compromisso com esses conflitos todos que eu acabei de mencionar contribuem para o uso ilegal da floresta, quer seja pela mineração ilegal, pela agropecuária ou pela exploração da madeira. Essa pressão sobre a Floresta Amazônica precisa ser contida, em parte abordando a questão do dinamismo econômico, em parte com mecanismos de comando e controle, ou seja, de fiscalização, mais eficientes.

 

Eu não me furto ao debate, nunca."

 

Algumas pesquisas indicam que os índices de desmatamento estão atrelados a questões econômicas, como o aumento no preço das commodities agrícolas, em especial a soja. O que fazer para quebrar esse ciclo?

Esse estudo da correlação direta entre desmatamento e preço de produtos agrícolas foi contestado por várias entidades. A tendência para o aumento do desmatamento está mais ligada à falta de oportunidade econômica daqueles que vivem no entorno de áreas em que há necessidade de preservação. O Brasil é um país com um setor agropecuário que produz bem, com tecnologia, e não precisa ampliar sua área desmatada para melhorar o seu perfil de produção.

E, no entanto, o desmatamento segue seu ritmo. Qual é a solução?

É preciso oferecer uma alternativa econômica aos proprietários rurais que se dispuserem, dentro do marco legal que é o Código Florestal, a não desmatar. Por isso, defendemos o pagamento por serviços ambientais. Por meio desse mecanismo, queremos remunerar os proprietários que optarem por preservar as áreas com florestas que eles teriam direito de utilizar na produção agropecuária.

Na prática, isso significa pagar para que se mantenha a floresta de pé?

Apenas a porção de mata que exceder aquilo que o Código Florestal já prevê que o proprietário é obrigado a preservar, ou seja, a reserva legal. (De acordo com o Código, há uma porcentagem mínima da área de uma propriedade que é preciso manter com vegetação natural intacta, e que, de bioma para bioma, varia de 20% a 80%.) Esse é o modelo que eu vou apresentar na reunião entre ministros do Meio Ambiente do G20 (grupo dos 20 países mais ricos do mundo) este mês, no Japão. Nós vamos dizer "olha, vocês não querem que a gente faça a preservação de praticamente toda a nossa área? Então vocês têm que nos ajudar a pagar por isso".

Como mensurar esse pagamento? Quanto o agronegócio perde por causa das exigências ambientais brasileiras?

A agropecuária brasileira é extremamente sustentável e, na minha opinião, um exemplo de preservação para o mundo. Isso é alcançado pela própria dinâmica do trabalho rural brasileiro, que também foi se adaptando, é verdade, às pressões ambientais, ao próprio Código Florestal, à tecnologia e aos investimentos. Matematicamente falando, porém, produzir de maneira mais sustentável, mantendo certas áreas intocadas, em razão da reserva legal do Código Florestal, pode ser traduzido em custo ou, pelo menos, em renúncia de receita. Essa mensuração de quanto custa a preservação ambiental no Brasil é justamente o argumento que precisamos usar para essas duas questões: quanto o mundo vai pagar para o Brasil pela sua boa prática de preservação e como a produção brasileira vai internalizar esse ganho daquilo que ela está fazendo. Claro que é importante preservar, não é só pelo dinheiro. Afinal, a própria dinâmica da preservação ajuda na produtividade da agropecuária. São coisas que se retroalimentam.

Você percebe que existe uma imagem negativa sendo construída no exterior em relação ao governo nessa questão da preservação ambiental?

Há um esforço de determinadas entidades do terceiro setor, de uma parcela da imprensa internacional e de certos interesses comerciais para colocar ainda mais pressão sobre o Brasil na área ambiental. Essa tentativa de demonizar o agronegócio brasileiro e de fazer um alarmismo sobre a Floresta Amazônica não é de agora. A diferença é que, pela primeira vez nos últimos 20 ou 30 anos, um governo no Brasil tem a coragem de dizer: "Não é verdade o que vocês estão dizendo. O Brasil preserva muito a sua biodiversidade e suas florestas; as coisas aqui estão sendo feitas adequadamente." E é a primeira vez que nós estamos dizendo que, se quiserem continuar com essa pressão excessiva sobre o Brasil, essa exigência para aquilo que não foi feito nos outros países, vai ser preciso ajudar a pagar a conta.

O que os outros países deixaram de fazer?

Se as regras das Áreas de Preservação Permanente (APPs) que existem no Brasil estivessem em vigor na Europa, a grande maioria das propriedades urbanas de lá teria que ser demolida. Além disso, o uso de defensivo agrícola por hectare em países europeus é muito maior do que o brasileiro. Eles reclamam de nós, mas por lá, França, Holanda, vários países utilizam muito mais agrotóxico por hectare do que o Brasil. Essa narrativa de que não fazemos nossa parte serve a alguns interesses. Seja para arrecadação de verbas por entidades do terceiro setor, seja para promover uma negociação comercial internacional que coloque o Brasil na defensiva, seja para proteger mercados com barreiras não tarifárias. A verdade é que o Brasil produz de maneira sustentável, protege o meio ambiente melhor do que todos esses países. Não estamos destruindo a natureza e nem promovemos um desmonte ambiental no Brasil de 1º de janeiro para cá, ao contrário do que vem sendo dito.

 

Essa tentativa de demonizar o agronegócio brasileiro e de fazer um alarmismo sobre a Floresta Amazônica não é de agora."

 

O Brasil tem 335 unidades de conservação, mas você pretende enxugar o número de bases do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) de 11 para 6. Que medidas vão ser tomadas para que isso não prejudique a fiscalização das áreas protegidas?

Não há nada pior para o meio ambiente do que a má gestão e a ineficiência do uso dos recursos humanos e financeiros. Estamos dando maior eficiência a um orçamento que é limitado e a um quadro de pessoal que já herdamos completamente destruído. Temos praticamente só 50% das vagas preenchidas no Ibama e no ICMBio. Herdamos também um planejamento mal feito, uma frota de veículos sucateada, prédios públicos e estruturas de Unidades de Conservação mal conservadas ou destruídas. O que precisamos fazer é instituir instrumentos de gestão e eficiência que reconstruam tudo isso. O desmonte, como eu disse ontem no Senado, aconteceu antes, nos governos anteriores. Estamos testemunhando o resultado do desmonte. No caso específico das CRs, que são as Coordenadorias Regionais do ICMBio, queremos reduzi-las a cinco. Essa decisão ainda não está tomada, mas se for, queremos que as CRs guardem uma lógica administrativa e geográfica mais racional. Hoje são onze escritórios espalhados pelo Brasil. Tem escritórios do ICMBio na Região Norte responsáveis por Unidades de Conservação no Nordeste, sem a menor lógica administrativa. Isso provoca uma perda de eficiência muito grande. Se a mudança for aprovada, haverá uma Coordenadoria Regional para cada região do país. Ao fazer isso, vamos ter uma hierarquia bem definida, planejamento e gestão muito claros, além de obrigações, metas e prazos cumpríveis. Hoje, não tem como cobrar resultados.

Vai haver redução de pessoal?

Não vamos diminuir os quadros, mas também temos dificuldade de aumentar, porque para isso precisaríamos abrir concurso. Temos que trabalhar com os recursos que temos — financeiros, humanos e de infraestrutura. Esse prédio onde nós estamos, por exemplo, está sendo todo reformulado para sediar o ICMBio da Região Sudeste. Já que não existe um orçamento ilimitado, e jamais haverá, é preciso fazer uma boa gestão daquilo que se tem.

Houve uma redução de 35% no volume de multas que o ICMBio aplicou no primeiro trimestre do ano. Essa redução foi reflexo de alguma política deliberada do Ministério?

Não há nenhuma ordem do ministério ou dos próprios dirigentes dos órgãos, seja Ibama, seja ICMBio, para diminuir, flexibilizar ou tergiversar fiscalizações. O que temos realmente é uma preocupação de fazer coisas que tenham fundamento. Essa é uma mentalidade que permeia todo o governo. O termômetro de que aquele modelo excessivo de processos administrativos e de autuações não era bom se comprova na estatística levantada pela Controladoria-Geral da União: apenas 5% das autuações feitas resultam em pagamento de multa. Ou seja, ao fim de sete anos, que é quanto tem durado o processo administrativo, há uma série de decisões que derrubam as autuações. Isso mostra que volume de autuações não é uma métrica de boa fiscalização. O que vale é quanto permanece, quanto se sustenta ao longo do tempo. Se de 100% que você fiscaliza só 5% tem consistência para durar até o fim do processo, é porque alguma coisa está errada.

Qual é, então, a explicação para a redução das autuações no primeiro trimestre?

Pode ser uma mudança de conduta dos próprios fiscais. Nós não demos nenhuma instrução que levasse à redução das autuações ou à desmotivação dos fiscais. Será que a redução no número de autuações não decorre de um maior critério, um maior comprometimento dos fiscais com a qualidade da autuação? Ou seja, que eles deixaram de fazer coisas que no passado eram feitas de maneira açodada? Essa é uma hipótese que a imprensa não coloca. Só coloca a hipótese de que alguém tenha mandado parar de fiscalizar. Isso não aconteceu.

Eu gostaria de entender como isso funciona na prática, em campo. Como os fiscais mudam de postura sem ordens específicas?

É uma hipótese. Nada fizemos para diminuir as autuações. Não se retirou nenhuma infraestrutura necessária para o trabalho. Não se deu nenhuma mudança de regra, não se publicou nenhuma instrução normativa ou coisa que o valha que poderia ter resultado nisso. Pode ser uma mudança de vontade de ir a campo para fiscalizar ou pode ser que agora as autuações estejam sendo feitas com um maior critério, com um maior compromisso. Se for isso, terá sido uma mudança muito positiva. Dificilmente saberemos com exatidão qual é o motivo verdadeiro.

É possível que alguns tipos de autuações, mais difíceis de provar, por exemplo, tenham sido deixados de lado?

Veja como recebemos um sistema realmente frágil. Não se tem um controle estatístico do perfil das autuação. Eu gostaria de ter. Porque daí eu poderia responder à sua pergunta instantaneamente e com dados. Aqui estamos caminhando sempre no campo das hipóteses. O fato é que não houve nenhuma medida, nenhum desestímulo, nenhuma retirada de infraestrutura e nenhuma norma que impedisse. Todo o resto é interpretativo.

O governo fala muito em "indústria da multa". E fala nisso não apenas em referência ao trânsito, mas também em relação ao meio ambiente. Se o governo critica o que via como uma indústria da multa nos governos anteriores, é natural concluir que há um desejo de reduzir as multas.

Não, o intuito é dar maior consistência ao trabalho de fiscalização. Aquilo que efetivamente precisa ser punido, será punido. Mas se havia um excesso de fiscalização, do poder de polícia, de voluntarismo excessivo no uso da fiscalização, será um fato positivo se isso diminuir.

Você pode dar um exemplo de excesso na fiscalização?

Na área ambiental, a interpretação do fato e das origens do fato tem um peso muito grande. A interpretação pode ser feita com bom senso ou de forma persecutória. Se olharmos o percentual de multas ou autos de infração que chegam ao final do processo administrativo e são mantidas, como mencionei antes, veremos que o termômetro da tal indústria da multa está na diferença entre a boca de entrada das autuações vis-à-vis aquilo que vai até o fim. Se esse for o parâmetro, realmente havia um excesso. Porque autuou-se demais e aquilo não se sustentou ao longo do tempo. Uma autuação feita de maneira exagerada, sem fundamento, e que cai ao longo do processo administrativo e, eventualmente, judicial, é um termômetro da tal indústria da multa.

Ao se reduzir isso, qual é o efeito para a proteção ambiental?

Se houver menos autuações, porém bem fundamentadas que guardem mérito e que não sejam derrubadas, significa que conseguimos melhorar a efetividade da fiscalização. A função do fiscal não é emitir multa, a função do fiscal é preservar o meio ambiente.

 

Se havia um excesso de fiscalização, do poder de polícia, de voluntarismo excessivo no uso da fiscalização, será um fato positivo se isso diminuir."

 

O Ibama tem avisado de antemão sobre as operações de fiscalização. Isso costuma dar a chance aos infratores de retirarem máquinas e homens das frentes de desmatamento. Quando os fiscais chegam, os desmatadores alegam que estão sendo vítimas de ladrões de madeira. Por que esse procedimento foi adotado?

Não é verdade. A história de que as fiscalizações estavam sendo comunicadas de antemão se baseou em uma nota que o Ibama colocou no site sobre a uma operação que já estava em andamento. Essa mesma operação resultou na maior apreensão de madeira e equipamentos da história do Ibama. Talvez a nota tenha sido redigida de um jeito que dava a impressão de que era uma operação futura. Mas não era.

As operações de fiscalização continuam sendo desencadeadas em sigilo, então?

Claro. Porém, em uma operação dessa magnitude, quando começa a movimentar equipes, infraestrutura e ajuda da polícia militar local, o sigilo é relativo. Além disso, se colocar notas de operação do Ibama na internet tivesse o condão de desestimular ou interromper atividades ilegais em determinados lugares, se alguém deixasse de desmatar porque o Ibama avisou, essa seria a forma mais eficiente de fazer fiscalização. Se basta divulgar uma nota para que os infratores parem de desmatar, eu mando colocar uma por semana na internet. Seria redução de desmatamento a custo zero.

Eles cessariam o crime temporariamente, mas voltariam a desmatar sem terem sido punidos e sem terem as máquinas apreendidas.

Esse argumento não se sustenta. A pessoa não passa o dia na internet vendo se vai haver operação. E cada vez que ela pára de desmatar, para disfarçar, está tomando prejuízo. E quando falamos que haverá uma operação no sul do Pará, ora, trata-se de um território maior do que o da Bélgica. Ninguém falou que "o seu José de tal lugar vai sofrer fiscalização". As notícias informando que estávamos avisando de antemão são absurdas, pois sugerem que estávamos em conluio com os desmatadores ilegais. Os jornalistas só não falam isso com essas palavras porque correriam o risco de levar um processo por danos morais no dia seguinte. Se disser isso, vai ser processado. A minha filosofia é que qualquer atuação acima da lei é perseguição, e abaixo da lei é prevaricação.

Você publicou recentemente artigo dizendo que o saneamento e o problema dos lixões são questões ambientais mais prementes do que a do desmatamento. Essa é a prioridade da sua gestão?

É a prioridade número 1, pois 80% dos brasileiros vivem em áreas urbanas. As cidades brasileiras são as responsáveis pelos danos ambientais. O campo não é o responsável. As cidades não têm saneamento e o índice de coleta de esgoto no Brasil é uma vergonha. Outro ponto da nossa agenda de qualidade ambiental urbana é a gestão do lixo, ou seja, dos resíduos sólidos. Meus antecessores entregaram para nós um país com o lixo em absoluto colapso. O Brasil é o país dos lixões. Tem lixão em todas as cidades, em todas as regiões.

De 1 a 10, qual é o grau de prioridade de se adotar medidas que contribuam para reduzir o aquecimento global causado pelo ser humano?

Não consigo classificar em números pois não há um parâmetro para isso. O Brasil precisa avançar nas medidas de adaptação às mudanças climáticas. Precisamos adaptar os centros urbanos, ou seja as comunidades mais pobres, para o aumento das chuvas e para deslizamentos. E fazer isso nas infraestruturas, nas estradas, nos conjuntos residenciais. As medidas de adaptação estavam sendo deixadas de lado, enquanto as medidas relacionadas às causas das mudanças climáticas tomaram conta.

O que você acha do projeto de lei dos senadores Flávio Bolsonaro e Marcio Bittar de acabar com a reserva legal nas propriedades rurais?

Sobre o projeto deles em si, eu prefiro não comentar porque ainda está muito incipiente no Senado. Nem sei se isso vai caminhar. Se realmente avançar e vier para o parecer do Ministério do Meio Ambiente, aí sim vamos estudar e opinar.

Mas a sua posição pessoal sobre esse tema, sobre manter ou não a exigência de se ter a reserva legal nas propriedades, qual é?

Eu acho que todos os dispositivos do Código Florestal deveriam ser mantidos neste momento. Eu sou favorável ao Código. No futuro, quando pudermos dizer que o Código foi cumprido, aí saberemos se foi uma norma que atingiu seu objetivo. Talvez seja cedo para fazer qualquer alteração no conteúdo do Código Florestal, uma vez que a sua plenitude sequer foi alcançada.

Qual é o legado que você pretende deixar para o meio ambiente?

Eu dividiria em três coisas. Primeiro, uma melhoria significativa dos índices de qualidade ambiental urbana, saneamento, lixo e qualidade do ar. Isso é necessário e estamos lutando para isso. Segundo, o fortalecimento e a verdadeira valorização das nossas Unidades de Conservação com participação do setor privado, com investimentos e aumento significativo da visitação, tanto de brasileiros quanto de estrangeiros. Em terceiro lugar, uma redução do desmatamento com aumento do dinamismo econômico, ou seja, com oportunidade de emprego e renda para as pessoas das áreas que se deseja preservar. Não adianta simplesmente deixar elas lá e dizer: "você não pode minerar, não pode tirar madeira, não pode fazer nada". O que essas pessoas vão ser na floresta? Advogados? É preciso ter uma economia ligada à floresta. Feita de maneira sustentável, planejada e legalizada.

Sobre o Autor

Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto, com André Liohn) e “No Teto do Mundo” (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).

Sobre o Blog

“O que mantém a humanidade viva?”, perguntava-se o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Essa é a pergunta que motiva esse blog a desembaraçar o noticiário internacional – e o nacional, também, quando for pertinente – e a lançar luz sobre fatos e conexões que não receberam a atenção devida. Esse é um blog que quer surpreender, escrito por alguém que gosta de ser surpreendido.