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Diogo Schelp

O que deu em Putin para libertar um jornalista?

Diogo Schelp

13/06/2019 14h58

Ivan Golunov

Jornalista Ivan Golunov fala com repórteres em Moscou após libertação, no dia 11 de junho (Foto: Shamil Zhumatov/Reuters)

Em 2011, durante a produção de uma reportagem em Moscou, na Rússia, entrevistei a jornalista Nadezhda Azhgikhina, viúva do também jornalista Yuri Schekochikhin, assassinado em 2003. "Nós, russos, erramos ao acreditar que a democracia se instalaria no país da noite para o dia após o fim da União Soviética", disse-me Nadezhda.

A Rússia continua sendo um país autoritário e perigoso para o exercício do jornalismo. As táticas para amordaçar a imprensa incluem intimidações físicas e acusações criminais falsas. Uma prática comum das autoridades consiste em plantar provas para indiciar jornalistas por tráfico de drogas. A independência das instituições judiciais é questionável, e o governo costuma reagir com indiferença aos protestos da sociedade contra esse tipo de violação dos direitos humanos.

Ivan Golunov, do site Meduza, foi a mais recente vítima da fabricação de provas falsas na Rússia. No último dia 6 de junho, ele foi preso e espancado por policiais, que disseram ter encontrado anfetamina em sua mochila. Posteriormente, a polícia divulgou fotos de supostas apreensões de drogas feitas no apartamento do jornalista. As fotos, no entanto, haviam sido tiradas em outro local, e a polícia acabou apagando as imagens. Além disso, Golunov passou mais de 12 horas sem acesso a um advogado e os policiais se recusaram a atender o pedido dele para que fizessem perícia em suas mãos e roupas, para verificar se havia traços do entorpecente. 

Na terça-feira (11), depois de vários dias de protestos contra a prisão de Golunov — como sempre, reprimidos à força — e de uma campanha na internet pela sua libertação, da qual participaram opositores e celebridades russas, a polícia retirou as acusações e o jornalista foi libertado.

Os opositores russos, acostumados a ver suas reivindicações darem com os burros n'água, estranharam. O que deu na polícia? Ou melhor, o que deu no presidente Vladimir Putin, já que nada politicamente relevante é feito sem o seu aval? Como prova de que a libertação do jornalista teve o dedo dele, nesta quinta-feira (13) Putin destituiu dois chefes da polícia, um deles o responsável pela divisão de narcóticos.

Um dos possíveis motivos para o súbito amolecimento das autoridades no caso Golunov é o fato de que os métodos fraudulentos da polícia foram escancarados de forma tão evidente dessa vez. Mas solidez de provas nunca foi algo necessário para condenar jornalistas ou opositores na Rússia.

A revista britânica The Economist apresentou outra hipótese: Putin estaria preocupado em recuperar o seu monopólio da força. Em suas reportagens, Golunov havia denunciado relações de corrupção envolvendo a máfia russa e a polícia. Os agentes que montaram a armadilha para Golunov aparentemente tinham vínculos com mafiosos e por isso teriam um interesse pessoal em calar o jornalista. Ao mandar libertá-lo, Putin estaria enviando um recado para o submundo do crime, até agora tolerado por ele: "quem decide que jornalista prender sou eu".

 

Sobre o Autor

Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto, com André Liohn) e “No Teto do Mundo” (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).

Sobre o Blog

“O que mantém a humanidade viva?”, perguntava-se o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Essa é a pergunta que motiva esse blog a desembaraçar o noticiário internacional – e o nacional, também, quando for pertinente – e a lançar luz sobre fatos e conexões que não receberam a atenção devida. Esse é um blog que quer surpreender, escrito por alguém que gosta de ser surpreendido.