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Diogo Schelp

Sabatina marca transição definitiva do Moro juiz para o Moro político

Diogo Schelp

19/06/2019 16h25

O ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro (Marcelo D. Sants/FramePhoto/Folhapress)

Desde que seu nome foi anunciado para o Ministério da Justiça e Segurança Pública, após a eleição de Jair Bolsonaro, o agora ex-juiz federal Sergio Moro comportava-se como um estranho no ninho da política. Como alertaram muitos analistas, foi uma jogada arriscada de Moro aceitar o convite, mesmo que estivesse mirando em uma vaga futura no Supremo Tribunal Federal (STF). Afinal, na política, a vidraça de seus protagonistas é muito maior do que na Justiça, em que a estabilidade de emprego e a blindagem institucional (expressa na autonomia administrativa e financeira) são alguns dos elementos que garantem a independência do terceiro poder. Os juízes necessitam de condições para fazer os julgamentos isentos de pressão, tanto da sociedade, quanto de agentes econômicos ou políticos.

Uma prova de que a vidraça do Judiciário é menor do que a dos políticos é que a imprensa brasileira tem por tradição pegar leve com decisões judiciais equivocadas. Os jornalistas costumam se sentir à vontade para criticar duramente a sentença mal-ajambrada de um juiz, mas raramente o juiz em si — a não ser quando ele é flagrado cometendo delitos. Ou seja, a imunidade do juiz ao proferir suas decisões é algo a ser respeitada.

Na política, tudo muda. Sofrer pressão é o estado normal da atividade. Nos últimos meses, Moro enfrentou percalços e derrotas, principalmente no relacionamento com o Congresso para a aprovação do seu pacote anticrime e nas discordâncias de bastidores com o presidente Bolsonaro na questão do decreto de armas, mas o ministro ainda não havia, de fato, enfrentado pressão. Em muitos aspectos ele era visto por seus colegas de gabinete e pelos parlamentares como o juiz que entrou de gaiato na política, não como um dos seus.

O depoimento desta quarta-feira (19) na Comissão de Constituição e Justiça do Senado representa o momento definitivo da transição do Moro juiz para o Moro político. Ao juiz não é dada a licença para mentir ou escamotear informações. Para o político, no entanto, o compromisso com a verdade é um conceito muito elástico. Mesmo aquele que não mente escancaradamente exerce o direito implícito de apresentar versões ou interpretações alternativas dos fatos.

Na pele do interrogado, e não mais do interrogador que assumia como juiz, Moro exercitou-se na arte de dizer que certos fatos  não são graves, ainda que não reconheça os fatos exatamente como são. Ele diz que as mensagens trocadas entre ele e os procuradores da Lava Jato podem ou não ser verídicas. Isso significa que Moro se sente apto a eximir-se de responsabilidade sobre conversas que ele sequer reconhece como verdadeiras ou não.

Só mesmo um político para conseguir fazer um contorcionismo de raciocínio como esse. Lembra-me o ex-presidente americano Bill Clinton dizendo na TV que não fez sexo com a estagiária da Casa Branca, ainda que tenha feito com ela coisas que costumam ser definidas como sexo.

Outra tática própria de políticos a que Moro recorreu é atribuir culpa aos mensageiros. Repetidas vezes ele qualificou como notícias "sensacionalistas" os vazamentos de suas conversas pelo site The Intercept. Não há dúvida de que o site tem um viés político claro. Mas as conversas vazadas têm, em si, valor jornalístico inegável, independente dos adjetivos que os autores da reportagem utilizaram na hora de interpretá-las e contextualizá-las.

Os "esclarecimentos" prestados no Senado também demonstram que Moro, como é tradição entre os políticos brasileiros, está disposto a aferrar-se ao cargo ao custo de qualquer argumento, cabível ou não, como se o pedido de demissão pudesse representar uma prova de culpa.

Se Moro sair desta crise mais forte politicamente do que entrou, Bolsonaro pode começar a olhar para os lados e vê-lo seriamente como um adversário para 2022.

Sobre o Autor

Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto, com André Liohn) e “No Teto do Mundo” (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).

Sobre o Blog

“O que mantém a humanidade viva?”, perguntava-se o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Essa é a pergunta que motiva esse blog a desembaraçar o noticiário internacional – e o nacional, também, quando for pertinente – e a lançar luz sobre fatos e conexões que não receberam a atenção devida. Esse é um blog que quer surpreender, escrito por alguém que gosta de ser surpreendido.