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Diogo Schelp

Por que Trump trata ditador norte-coreano de um jeito e aiatolás de outro

Diogo Schelp

30/06/2019 11h50

Trump e Kim

Donald Trump e Kim Jong-un cruzam a fronteira entre as duas Coreias (Imagem: Vídeo/Reprodução)

Donald Trump tornou-se neste domingo (30) o primeiro presidente americano a entrar na Coreia comunista. Após cruzar a fronteira na zona desmilitarizada entre a Coreia do Sul e a Coreia do Norte, Trump deu apenas dezenove passos dentro do território norte-coreano antes de retornar, acompanhado pelo ditador Kim Jong-un. Depois, eles conversaram em território sul-coreano por 50 minutos, para tratar da "desnuclearização da Península Coreana" — um conceito que Trump entende como o desmantelamento das bombas nucleares da Coreia do Norte, enquanto Kim compreende como a retirada também do arsenal americano instalado na Coreia do Sul.

Trata-se do terceiro encontro entre Trump e Kim. As duas reuniões de cúpula anteriores não deram em nada, ainda que a Coreia do Norte não tenha realizado mais nenhum teste com míssil de longo alcance. Kim segue oprimindo seu povo, matando oponentes e, mais importante de tudo, continua montado em um arsenal atômico.

Enquanto isso, Trump aperta o cerco aos aiatolás que comandam o Irã, depois de ter rompido um acordo que impedia o país do Oriente Médio de prosseguir com seu planos de construir sua própria bomba atômica. Como explicar a diferença de tratamento? Se o objetivo é impedir que países párias (tanto a Coreia do Norte como o Irã estão na lista americana de países que patrocinam o terrorismo) tenham a bomba atômica, porque negociar com um e não com o outro? Trump tem seus próprios motivos, alguns dos quais estão descritos brevemente aqui:

  • A Coreia do Norte já tem a bomba. Portanto, representa uma ameaça mais urgente para os Estados Unidos e para o mundo;
  • Trump quer distância de tudo o que passou pelas mãos de seu antecessor, Barack Obama. Durante a campanha presidencial de 2016, ele repetiu diversas vezes que ia sair do Acordo de Paris para Mudança Climática e também do acordo nuclear com o Irã, que classificava como "o pior da história". Trump quer seu próprio sucesso diplomático, e vê na questão norte-coreana a oportunidade para alcançar isso. Ao mesmo tempo, trata de tomar um rumo oposto a respeito de tudo o que Obama fez;
  • Estados Unidos e Irã têm um histórico concreto de agressões, o que inclui o episódio da invasão da embaixada americana em Teerã, em 1979, e a interferência dos aiatolás em conflitos com envolvimento dos Estados Unidos, como a Guerra no Iraque (2003-2011). Por isso, engajar-se em uma aproximação com o Irã é algo bem mais complicado, do ponto de vista da política interna americana, do que fazê-lo com a Coreia do Norte, pois enfrentaria forte resistência de congressistas republicanos, mas também de alguns democratas;
  • Os aliados dos Estados Unidos no Oriente Médio, especialmente Israel e a Arábia Saudita, não apoiam a ideia de fazer concessões ao Irã, ao contrário do que acontece na Ásia, onde Coreia do Sul e Japão, por mais que desconfiem de Kim Jong-un, reconhecem que tudo o que já foi tentado para conter o regime norte-coreano até agora fracassou. Além disso, a China, que é fiadora do regime norte-coreano, pode até se sentir incomodada por não ditar os termos de uma aproximação entre Estados Unidos e Coreia do Norte, mas não encontra argumentos para se opor a isso;
  • Como resultado dos dois itens anteriores, o que Trump busca no Irã é a derrubada do regime dos aiatolás, enquanto o que ele tenta na Coreia do Norte é o desmantelamento do arsenal atômico e a consequente pacificação da Península Coreana.

O problema maior dessas razões todas é que, ao negociar com a Coreia do Norte, que já tem a bomba, e pressionar o Irã, que ainda não tem mas quer ter, Trump passa mensagens negativas para esses dois países. Para a Coreia do Norte, fica a desconfiança de que, assim que destruir suas ogivas e sua capacidade nuclear, voltará a ser pressionada pelos Estados Unidos para promover uma mudança política e que sua única garantia é, justamente, seu arsenal atômico. Para o Irã, fica a certeza de que a única maneira de ser respeitado e de obter concessões internacionais é ter a bomba atômica o quanto antes.

 

Sobre o Autor

Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto, com André Liohn) e “No Teto do Mundo” (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).

Sobre o Blog

“O que mantém a humanidade viva?”, perguntava-se o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Essa é a pergunta que motiva esse blog a desembaraçar o noticiário internacional – e o nacional, também, quando for pertinente – e a lançar luz sobre fatos e conexões que não receberam a atenção devida. Esse é um blog que quer surpreender, escrito por alguém que gosta de ser surpreendido.