Topo

Diogo Schelp

Legalização da maconha aumentou disparidade racial em prisões nos EUA

Diogo Schelp

03/07/2019 04h00

Festival da maconha

Participantes de festival da maconha em Seattle, no estado de Washington, nos Estados Unidos (Foto: Creative Commons/Flickr/Cannabis Culture)

Na semana passada, o governador Jay Robert Pritzker assinou uma lei que tornou Illinois o décimo primeiro estado americano, além do distrito federal, a legalizar a maconha para uso recreacional. Os primeiros a permitir a posse e o consumo de certa quantidade de Cannabis foram Colorado e Washington (o estado, não a capital), em 2012.

Muito se discutiu sobre os impactos que a legalização teria no consumo de drogas, no trânsito, na saúde pública e em questões de segurança. Sete anos depois, já é possível fazer uma boa avaliação desses temas, com base em estudos científicos.

Um dos argumentos usados para a legalização da maconha era que a criminalização da droga atingia de maneira desproporcional a população negra dos Estados Unidos. Ou seja, apesar de os estudos mostrarem que o uso da droga era parecido em diferentes grupos raciais, as prisões relacionadas ao seu consumo, ao plantio e à comercialização ilegal eram mais frequentes entre negros do que entre brancos. Isso ampliava a disparidade racial no sistema prisional americano, em que 33% dos detentos são de origem africana (apesar de representarem apenas 12% da população em geral).

Um estudo recente liderado pela pesquisadora Caislin Firth, da Universidade de Washington, no entanto, parece derrubar a tese de que a legalização da maconha diminui a discriminação policial em prisões relacionadas à droga. O trabalho foi feito com dados do estado de Washington, que permite a adultos com 21 anos ou mais portar até 28 gramas de maconha. Ser pego com uma quantidade superior a essa continua sendo ilegal. Além disso, a lei instituiu uma nova infração: o consumo em público, passível de multa de 50 dólares. E a venda fora de lojas cadastradas também continua sendo enquadrada como tráfico.

Pois bem. Antes da legalização, a chance de um cidadão negro ser preso por qualquer infração relacionada à maconha (posse, consumo, compra, venda, cultivo, plantio ou transporte) era 2,5 vezes maior do que a de um indivíduo branco. A pesquisa descobriu que, depois da legalização, as prisões em ambos os grupos raciais caíram radicalmente. Porém, a disparidade entre negros e brancos aumentou. Agora, a chance de ser preso por alguma infração relacionada a maconha é cinco vezes maior se o indivíduo for negro. O fenômeno se repete, com proporções diferentes, em pelo menos outros três estados onde o produto é legalizado.

Estatisticamente, a explicação está no fato de que o número de prisões relacionadas à posse da droga (por exceder o limite permitido, por exemplo) e à venda ilegal diminuiu mais entre os brancos do que entre os negros. O dado sobre a venda ilegal é especialmente chamativo. Entre indivíduos classificados como brancos, as prisões relacionadas a esse tipo de crime caíram 67%. Entre os negros, a queda foi irrisória, de 5%. Ou seja, os negros no estado de Washington continuam sendo presos por venda e distribuição ilegal de maconha quase na mesma proporção que antes da legalização.

As autoridades policiais agora se veem confrontadas com um questionamento sério: os números acima são um sinal de que seus agentes estão perpetuando um comportamento considerado discriminatório (realizando mais batidas em bairros com maior presença de população negra, por exemplo) ou um indicativo de um problema socioeconômico mais profundo?

Sobre o Autor

Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto, com André Liohn) e “No Teto do Mundo” (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).

Sobre o Blog

“O que mantém a humanidade viva?”, perguntava-se o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Essa é a pergunta que motiva esse blog a desembaraçar o noticiário internacional – e o nacional, também, quando for pertinente – e a lançar luz sobre fatos e conexões que não receberam a atenção devida. Esse é um blog que quer surpreender, escrito por alguém que gosta de ser surpreendido.