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Diogo Schelp

Os EUA à espera da catástrofe

Diogo Schelp

06/07/2019 13h41

Fronteira

Guardas de fronteira dos EUA carregam bonecas para demonstração sobre medidas de segurança na apreensão de imigrantes em Mission, Texas, no dia 1º de julho (Loren Elliott/Reuters)

A expectativa da catástrofe está enraizada na alma de Los Angeles e dos outros grandes centros urbanos da Califórnia, como San Francisco e San Diego. Talvez por isso Hollywood produza tantos filmes sobre tragédias naturais em larga escala. Uma grande cicatriz geológica de 1.300 quilômetros de extensão mantém viva a lembrança de que o apocalipse está à espreita. Trata-se da falha de San Andreas, uma rachadura causada há milhares de anos pelo encontro entre duas das maiores placas tectônicas do mundo. Por causa do atrito entre elas, o território da Califórnia é propenso a enfrentar violentos terremotos, como os que ocorreram esta semana.

Os abalos registrados nesta sexta-feira (5) chegaram a 7,1 pontos na escala Richter. Um tremor dessa magnitude, se atingir uma área populosa, tem grande potencial de devastação. Há mais de 100 anos, um terremoto em San Francisco matou cerca de 3.000 pessoas. E a cada vez que as placas se movimentam, os californianos se perguntam: chegou a vez do Big One, "o" grande terremoto que vai destruir tudo e confirmar as expectativas apocalípticas?

O alívio quando as previsões não se confirmam vem com um misto de decepção. Afinal, talvez o Big One nunca venha — pelo menos não na cronologia da humanidade, não a tempo de os humanos terem de enfrentá-lo. Ao estudar 100.000 anos de história geológica da região do sul da Califórnia, os cientistas concluíram que há em média um tremor de magnitude 8 a cada 100 ou 200 anos e um de magnitude 6 a cada três anos. Os últimos 20 anos foram relativamente tranquilos.

As previsões apocalípticas dos californianos em relação aos terremotos se assemelham ao catastrofismo do presidente Donald Trump a respeito da imigração ilegal. Ambos os fenômenos existem e são de grandes proporções. Mas o potencial de destruição de ambos é totalmente aleatório e imprevisível. São, também, mas isso Trump não admite, fenômenos inevitáveis. Los Angeles prepara-se para o Big One melhorando os padrões das construções e instituindo planos de segurança e treinamentos. É preciso prevenir, já que não é possível impedir um terremoto.

Trump faz o oposto. Ele investe em medidas para impedir o fenômeno que tanto o atormenta, insistindo na construção de muros e aumentando a fiscalização para barrar os imigrantes. Os Estados Unidos têm o direito de proteger suas fronteiras. Mas a história mostra que tentar frear fluxos migratórios equivale a enxugar a gelo. Mais do que isso, a política migratória de Trump erra em suas prioridades, pois os imigrantes não são a causa dos males modernos do país. O presidente americano empenha-se para evitar uma catástrofe que, assim como o Big One, talvez nunca aconteça.

 

Sobre o Autor

Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto, com André Liohn) e “No Teto do Mundo” (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).

Sobre o Blog

“O que mantém a humanidade viva?”, perguntava-se o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Essa é a pergunta que motiva esse blog a desembaraçar o noticiário internacional – e o nacional, também, quando for pertinente – e a lançar luz sobre fatos e conexões que não receberam a atenção devida. Esse é um blog que quer surpreender, escrito por alguém que gosta de ser surpreendido.