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Diogo Schelp

Jair Bolsonaro se rende à velha política

Diogo Schelp

10/07/2019 13h19

Jair Bolsonaro

O presidente do Brasil Jair Bolsonaro (Foto: Fábio Motta/Estadão Conteúdo)

O presidente Jair Bolsonaro busca "vitória", palavras dele, na aprovação da reforma da Previdência na Câmara dos Deputados nesta quarta-feira (10). Como presidente de "todos os brasileiros", palavras dele, é de se esperar que a vitória não seja apenas de seu governo, mas de fato uma vitória para o Brasil. E a única definição aceitável de vitória nesse caso é uma reforma que resolva o rombo na Previdência com o menor custo possível para a aposentadoria futura dos trabalhadores de hoje.

Em uma democracia, o debate parlamentar serve para encontrar um consenso, uma solução aceitável para uma grande parcela da população e que dê atenção aos mais vulneráveis. O objetivo deve ser o de minimizar o custo social das medidas governamentais. Com a reforma da Previdência, cada brasileiro entregará sua dose de sacrifício. Mas que isso não represente criar uma massa de aposentados empobrecidos.

O texto-base apresentado pelo governo não estabelece apenas a idade mínima para a aposentadoria. O ponto mais crítico é o cálculo para saber quanto cada trabalhador receberá quando puder pendurar as chuteiras. E a verdade é que, do jeito que está, o valor que a maioria terá direito a receber será menor do que pelas regras atuais. Para receber 100% da média salarial, será preciso contribuir por 40 anos. Em um contexto de alto desemprego entre os jovens — o que significa que muitos só têm condições de começar a contribuir com 30 anos de idade, ou mais — e de crescente informalidade, o que se está criando é uma situação em que as pessoas terão que trabalhar (e contribuir para a Previdência) até uma idade muito avançada para conseguir um sustento minimamente decente na aposentadoria.

É o melhor que se pode conseguir para fazer com que as contas da Previdência fechem? Pode ser, mas as implicações sociais são de tal ordem que a população merecia uma discussão séria no legislativo que fosse baseada em dados e em consultas à sociedade, não na compra de votos com emendas parlamentares, como está acontecendo.

O presidente Jair Bolsonaro prometeu fazer o governo da "nova política", que não replicasse o toma lá da cá das administrações anteriores. Em vez disso, oferece emendas extras para os deputados que votarem a favor da reforma e até ameaça colocar no fim da fila da liberação as verbas normais a que os parlamentares têm direito caso eles não cumpram o acordo.

Cada vez mais, a "nova política" de Bolsonaro limita-se a aspectos cosméticos, como a retórica aplicada nas redes sociais. De resto, o presidente está se rendendo à velha política.

 

Sobre o Autor

Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto, com André Liohn) e “No Teto do Mundo” (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).

Sobre o Blog

“O que mantém a humanidade viva?”, perguntava-se o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Essa é a pergunta que motiva esse blog a desembaraçar o noticiário internacional – e o nacional, também, quando for pertinente – e a lançar luz sobre fatos e conexões que não receberam a atenção devida. Esse é um blog que quer surpreender, escrito por alguém que gosta de ser surpreendido.