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Diogo Schelp

O que pode renascer das cinzas da esquerda após derrota na Previdência

Diogo Schelp

11/07/2019 12h48

Manifestação de centrais sindicais (Foto: Danilo Verpa/Folhapress)

Os partidos de esquerda são os grandes derrotados na votação da reforma da Previdência na Câmara dos Deputados. Não conseguiram ser sequer os arquitetos da manutenção de privilégios, como seria de esperar por sua tradição corporativista. Esse papel coube, por exemplo, a bancadas como a da bala, que obteve acordo para garantir regras mais brandas para os policiais. Além disso, partidos como o PDT e o PSB não conseguiram conter alguns de seus deputados revoltosos, que votaram a favor da reforma apesar da orientação contrária de suas legendas.

A oposição de esquerda no Congresso Nacional demonstra estar sem rumo já desde o início do ano e do governo de Jair Bolsonaro. O PT não consegue acertar as contas com seu passado recente e prende-se à retórica "Lula Livre". A bandeira da ética há muito mudou de dono. Investir na agenda dos costumes (aborto e questões de gênero, por exemplo) também não dá frutos porque cai na cacofonia da polarização ideológica que engloba a sociedade brasileira. A defesa dos necessitados também já se desgastou, porque a direita populista também a reivindica.

Está claro que o que a esquerda precisa reconquistar é a confiança da classe média. A busca por um novo lugar ao sol do estratos médios da sociedade não atormenta apenas a esquerda brasileira. Na Europa, o dilema é parecido. Lá, porém, a esquerda acredita ter perdido o apoio da classe trabalhadora por causa da questão da imigração. Tanto é assim que partidos de centro-esquerda na Dinamarca, na Bélgica e até na Alemanha começaram a ensaiar discursos identitários, na desesperada tentativa de mostrar preocupação com os temores da classe média em relação aos fluxos de estrangeiros.

No Brasil, a classe média descolou-se da esquerda por outro motivos. Teve o desencanto por causa dos casos de corrupção nos governos petistas, é claro, mas não é só isso. A esquerda basicamente falhou em converter-se em uma provedora de soluções concretas para os problemas dos cidadãos que trabalham, pagam impostos e seguem sua vida sem lutar por privilégios. Trata-se justamente da parcela da sociedade que vai bancar a conta da Nova Previdência, enquanto interesses corporativos são mantidos e grandes empresas continuam sem pagar suas dívidas bilionárias com o INSS.

A esquerda só encontrará novo rumo na política brasileira se assumir uma postura propositiva. Se conseguir apresentar-se como a detentora de ideias para criar empregos e tornar a vida nas cidades que administra mais segura e mais saudável. Ser uma oposição eternamente "do contra" pode ter funcionado no passado. Não mais.

 

Sobre o Autor

Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto, com André Liohn) e “No Teto do Mundo” (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).

Sobre o Blog

“O que mantém a humanidade viva?”, perguntava-se o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Essa é a pergunta que motiva esse blog a desembaraçar o noticiário internacional – e o nacional, também, quando for pertinente – e a lançar luz sobre fatos e conexões que não receberam a atenção devida. Esse é um blog que quer surpreender, escrito por alguém que gosta de ser surpreendido.