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Diogo Schelp

Bolsonaro confirma filho Eduardo como seu 'Top Top' Garcia da direita

Diogo Schelp

12/07/2019 10h44

Eduardo Bolsonaro

Eduardo Bolsonaro, em viagem aos EUA em 2018, usou boné pela reeleição de Trump (Imagem: Vídeo/Reprodução)

Não tem precedentes na história diplomática brasileira a intenção do presidente Jair Bolsonaro de designar seu filho 03, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), para chefiar a embaixada do Brasil nos Estados Unidos. A indicação de políticos para postos diplomáticos está longe de ser uma anomalia, ainda que seja mais comum na tradição americana do que na brasileira, que costuma priorizar funcionários de carreira para a função. O que é inédito é um presidente ainda no cargo de uma democracia como a brasileira nomear um de seus filhos, político ou não, como embaixador em Washington, a mais importante representação diplomática no exterior.

Existem exemplos de filhos de presidentes de outros países que se tornaram embaixadores, mas em situações distintas. Caroline Kennedy, filha do ex-presidente americano John F. Kennedy e de Jackie Kennedy, foi designada embaixadora do Japão no governo de Barack Obama. Mas Caroline possui formação de diplomata — e seu pai já havia deixado de ser presidente muito tempo antes (ela tinha seis anos quando ele foi assassinado em Dallas). Zindzi Mandela, filha do ex-presidente sul-africano Nelson Mandela, é embaixadora de seu país na Dinamarca desde 2015. Quando foi nomeada, porém, não apenas seu pai não era presidente como já havia morrido dois anos antes. E Copenhagen está longe de ter a mesma relevância diplomática de Washington.

A indicação de Eduardo Bolsonaro pode até ser inédita, mas não é nada surpreendente. Primeiro, pelo protagonismo que os filhos do presidente Jair Bolsonaro possuem em seu governo, indicando ministros e fritando outros. Segundo, porque desde antes da posse Eduardo vem se afirmando como o verdadeiro arquiteto da diplomacia bolsonarista. Discípulo do astrólogo Olavo de Carvalho e presidente da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados, ele já vinha sendo chamado de "chanceler paralelo" do governo de seu pai. Quando Jair Bolsonaro encontrou-se com o presidente Donald Trump, nos Estados Unidos, foi Eduardo quem o acompanhou, não Ernesto Araújo, o ministro das Relações Exteriores. Eduardo Bolsonaro também fez viagens diplomáticas próprias, encontrando-se com líderes políticos como o premiê húngaro Viktor Orbán e o vice-premiê italiano Matteo Salvini.

Sua atuação lembra a de outro "chanceler paralelo": Marco Aurélio Garcia, que foi assessor especial para Assuntos Internacionais dos ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff. Garcia, falecido em 2017, ganhou a alcunha "Top Top" depois de ser flagrado fazendo um gesto obsceno ao descobrir, pela televisão, que o acidente aéreo que causou a morte de 199 pessoas no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, em 2007, não poderia ser atribuído a falhas do governo.

Garcia era um radical da diplomacia petista. Apoiou a escalada autoritária do presidente Hugo Chávez na Venezuela e recusava-se a classificar as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) como um grupo terrorista. Em entrevista a um jornal francês, ele disse: "Eu lhes lembro que o Brasil tem uma posição neutra sobre as Farc: nós não as qualificamos nem de grupo terrorista nem de força beligerante. Acusá-las de terrorismo não serve pra nada quando a gente quer negociar."

Como ocorre com frequência entre representantes dos extremos políticos, "Top Top" Garcia tinha um problema com a imprensa independente. Em 2008, no encerramento do Foro de São Paulo, em Montevidéu, no Uruguai, ele fez um discurso raivoso dirigido a mim. Garcia estava incomodado com a cobertura jornalística que eu estava fazendo do evento e sabia que eu estava no auditório do encerramento do evento, assistindo à sua fala. Sua tática de constranger publicamente um profissional da imprensa (eu era o único jornalista brasileiro no local e estava cercado de militantes de esquerda radicais), é a mesma que Trump já usou em coletivas de imprensa na Casa Branca e na qual Jair Bolsonaro também já resvalou algumas vezes.

Eduardo Bolsonaro é um "Top Top" Garcia às avessas. Em vez do alinhamento com tiranetes bolivarianos, defende a submissão aos interesses americanos. Um exemplo desse posicionamento foi a declaração de que os imigrantes brasileiros ilegais nos Estados Unidos são uma "vergonha". Como embaixador do Brasil nos Estados Unidos, um de seus papéis será o de dar assistência aos brasileiros que vivem no país, legais ou não. Como ele vai desempenhar essa função se acredita que os seus conterrâneos são uma vergonha? Trump acaba de declarar a caça aos imigrantes ilegais e promete deportar 2.000 clandestinos. Como Eduardo Bolsonaro agirá, no posto de embaixador, quando as autoridades americanas, durante essa "caça", começarem a colocar em risco os direitos e o bem-estar de cidadãos brasileiros?

Essa, e muitas outras, devem ser as perguntas a serem feitas a Eduardo Bolsonaro na sabatina no Senado a que terá de ser submetido antes de ser designado para a embaixada em Washington.

Sobre o Autor

Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto, com André Liohn) e “No Teto do Mundo” (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).

Sobre o Blog

“O que mantém a humanidade viva?”, perguntava-se o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Essa é a pergunta que motiva esse blog a desembaraçar o noticiário internacional – e o nacional, também, quando for pertinente – e a lançar luz sobre fatos e conexões que não receberam a atenção devida. Esse é um blog que quer surpreender, escrito por alguém que gosta de ser surpreendido.