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Diogo Schelp

O que esperar de um presidente que não sente empatia

Diogo Schelp

30/07/2019 12h57

Jair Bolsonaro

Presidente Jair Bolsonaro corta o cabelo enquanto dá a sua "versão" do desaparecimento do pai do presidente da OAB durante a ditadura (Imagem: Facebook/Reprodução)

Empatia é um conceito essencial no mundo contemporâneo. Vivemos a década da empatia — ou, pelo menos, da busca pela empatia. Na educação infantil, ensina-se as crianças a colocar-se na pele dos colegas. Se uma criança machuca a outra, é estimulada a pensar o que sentiria se fizessem o mesmo com ela. As empresas mais modernas e admiradas da atualidade valorizam a empatia com os consumidores, com os fornecedores, entre colegas e entre chefes e subordinados. Palestrantes são contratados para falar sobre empatia. Existe uma dezena de livros à venda em português com a palavra "empatia" no título. Em inglês, no site da Amazon, são centenas. O Brasil, no entanto, é governado por um homem que não consegue demonstrar empatia.

Essa é a única conclusão possível dos recentes arroubos verbais do presidente Jair Bolsonaro. Ele começou fazendo pouco caso do sofrimento vivido no passado pela jornalista Miriam Leitão, que foi torturada, grávida, durante a ditadura militar. Não importa o nome que Bolsonaro dá ao regime político vigente no Brasil naquela época. Não importa se ele acha que Miriam estava do lado errado da história. Não importa sequer se ele duvida do relato que Miriam fez, ainda em pleno período ditatorial, de sua prisão. Ele não tem provas para questioná-la, apenas suposições. Se Bolsonaro fosse uma pessoa empática, diria: "Não concordo com sua posição política na época, mas entendo e lamento que você tenha vivido momentos terríveis." Ou ficaria quieto.

O mesmo vale para as declarações de Bolsonaro a respeito de Fernando Santa Cruz, pai do atual presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz. O presidente está indignado porque, segundo ele, a OAB impediu a Polícia Federal de investigar adequadamente o atentado a faca contra ele em Juiz de Fora, durante a campanha presidencial do ano passado. E, por se sentir injustiçado, trata Felipe Santa Cruz como inimigo. Para atingi-lo, disse: "Um dia, se o presidente da OAB quiser saber como é que o pai dele desapareceu no período militar, conto pra ele. Ele não vai querer ouvir a verdade. Conto pra ele." Bolsonaro pode até achar que Felipe Santa Cruz é seu adversário político (não é: ele está apenas fazendo seu trabalho, que é defender sua categoria profissional). Mas a referência ao pai morto pela ditadura militar, quando o filho tinha apenas 2 anos de idade, não é apenas um desrespeito. É uma crueldade, uma demonstração de incapacidade de sentir empatia. 

Fernando Santa Cruz era um militante de esquerda, mas não pegou em armas. Bolsonaro afirma que ele era guerrilheiro. Não era. Ele tinha emprego fixo, domicílio, família e circulava com seus próprios documentos verdadeiros. Não vivia na clandestinidade como ocorria com quem participava da guerrilha. Com sua declaração, Bolsonaro deu a entender que possui informações que nem a Comissão da Verdade conseguiu obter após muita investigação. O corpo de Fernando nunca foi encontrado. Que informação confiável o presidente poderia ter? Bolsonaro graduou-se na Academia Militar de Agulhas Negras em 1977. Fernando Santa Cruz desapareceu três anos antes.

Tudo indica que Bolsonaro está blefando, brincando com um fato muito sério. Depois de ser criticado por sua declaração, afirmou, levianamente, que Fernando Santa Cruz foi morto por seus próprios companheiros. Não faz o menor sentido. E, de novo, onde estão as provas?

Vamos fazer um esforço para imaginar que tudo o que Bolsonaro diz seja verdade. Que Fernando foi um terrorista de esquerda e que seus próprios companheiros o mataram. Nada disso justificaria Bolsonaro usar sua história para ferir o presidente da OAB. Ninguém capaz de sentir empatia se regozija com a história de um filho de dois anos que ficou sem pai — fosse ele um herói ou um criminoso.

Bolsonaro dá muito valor aos seus filhos, tanto que acha que eles só devem comer filé mignon e chefiar as melhores embaixadas do mundo, ainda que não sejam capacitados para isso. Ele não consegue imaginar o que é para uma criança crescer sem o pai e sem saber, sequer, como ele morreu?

As demonstrações de falta de empatia do presidente formam uma longa lista. Sobre o massacre no presídio em Altamira, no Pará, Bolsonaro fez pouco caso dos mortos. Ele já deu a entender, em outras ocasiões, que criminosos não têm direito à vida, mas será que não sente um pingo de empatia pelas famílias dos detentos? Os filhos dos massacrados também são culpados pelos erros dos pais?

E o que dizer da afirmação que não há pessoas passando fome no Brasil? O presidente não precisa confiar em dados estatísticos, se estes lhe parecem muito complexos ou se não consegue compreender as metodologias por trás deles. Basta pegar o helicóptero da FAB — aquele usado para transportar parentes para a festa de casamento do seu filho — e viajar para os rincões do país. Bolsonaro recuou da declaração horas depois, admitindo que algumas pessoas passam, sim, fome no país. Mas comentou que entre os jornalistas presentes não havia "nenhum magro". A emenda saiu pior que o soneto. O comentário revelou que Bolsonaro não faz a menor ideia do que significa passar fome — ou, pior, que ele não está nem aí.

"Empatia", segundo o dicionário Aulete, é a "experiência pela qual uma pessoa se identifica com outra, tendendo a compreender o que ela pensa e a sentir o que ela sente, ainda que nenhum dos dois o expressem de modo explícito ou objetivo". Nos exemplos acima, Bolsonaro expressou, de modo explícito e objetivo, não sentir empatia.

O que esperar de um presidente sem empatia? Como ele pode ser a pessoa que vai buscar incansavelmente as soluções de que os cidadãos de seu país precisam, se ele não se importa com muitos deles, se ele não é capaz de colocar-se no lugar dos outros?

Sobre o Autor

Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto, com André Liohn) e “No Teto do Mundo” (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).

Sobre o Blog

“O que mantém a humanidade viva?”, perguntava-se o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Essa é a pergunta que motiva esse blog a desembaraçar o noticiário internacional – e o nacional, também, quando for pertinente – e a lançar luz sobre fatos e conexões que não receberam a atenção devida. Esse é um blog que quer surpreender, escrito por alguém que gosta de ser surpreendido.