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Diogo Schelp

Seis passos para enfrentar o medo, segundo um correspondente de guerra

Diogo Schelp

31/07/2019 15h36

Síria

Cena da Guerra Civil da Síria: empatia desloca o foco do medo (Foto: Ameer Alhalbi/AFP)

O medo mora dentro das pessoas, não fora. Ainda assim, é preciso reconhecer que o mundo moderno oferece um vasto cardápio de situações capazes de provocar pavor e ansiedade. São muitos os estímulos que mexem com um dos sentimentos mais básicos do ser humano. Combatê-lo, ou melhor, aprender a lidar com ele, é uma tarefa diária, seja para quem leva uma vida pacata, seja para quem tem no enfrentamento de situações de risco seu ganha-pão. O jornalista Lourival Sant'Anna, veterano de conflitos armados e outras coberturas perigosas no Afeganistão, no Paquistão, no Iraque, no Líbano, na Geórgia e na Ossétia do Sul, na Líbia, na Síria, na Turquia, no Irã, no Haiti e na Coreia do Norte, pertence ao segundo grupo. Ele reuniu sua experiência e suas conclusões sobre como administrar o medo, impedindo que esse sentimento irracional bloqueie sua capacidade de tomar decisões acertadas, em um livro recém-lançado. Em "Minha Guerra Contra o Medo", Sant'Anna descreve suas vivências nas guerras da atualidade e compartilha, a partir delas, seis passos para enfrentar o medo que podem ser usados em qualquer situação do cotidiano. São eles:

  • Ter foco em um ou mais objetivos. No cérebro, o medo está relacionado ao sistema límbico, responsável pelas emoções. Para colocá-lo de lado, é preciso ativar o córtex, onde se dá o pensamento racional. Focando a atenção na realidade à nossa volta, nas tarefas cotidianas, o medo pode até continuar presente, mas não ocupará tanto espaço na mente;
  • Ser sincero consigo mesmo e com os outros. Às vezes, e em especial em situações de risco extremo, é preciso mentir para sobreviver. Mas o padrão deve ser o de navegar em um ambiente hostil — seja no trabalho ou na vida pessoal — com total sinceridade de propósito. Quando alguém acredita nos próprios atos e no que eles significam, e transparece isso para os outros, assegura a coerência interna e o respeito externo de que precisa para não sucumbir a situações apavorantes;
  • Aceitar o acaso. Ninguém tem controle sobre tudo. Organizamos nossa vida da melhor maneira possível, mas mesmo os melhores planos podem falhar. Antecipar a possibilidade de que as coisas deem errado gera medo e ansiedade. É preciso abraçar a incerteza e focar no mundo objetivo, imprimindo mais leveza ao fluxo dos acontecimentos. E, acima de tudo, estar preparado para improvisar quando os planos naufragarem;
  • Viver o presente. Consequência do anterior, este passo serve para aniquilar o elemento "futurista" que alimenta o medo. Isso porque não são os acontecimentos e estímulos externos que de fato geram o medo, mas o mero pensamento sobre eles e o que podem causar. O medo mora na expectativa. Para aliviá-la, é preciso agir valorizando o presente. Profissionais acostumados a situações de risco tentam não perder o humor mesmo nas horas mais tensas. É uma forma de focar no presente;
  •  Equilibrar três ferramentas vitais: instinto, razão e experiência. O instinto ajuda na autopreservação. A razão impede que ele nos paralise ou nos faça fugir de nossos objetivos além do necessário para nos preservar. Com a experiência, vasculhamos nossa história de vida em busca de dados objetivos para ajudar a definir a melhor decisão em cada momento. Mas não se pode ter a ilusão de que o que deu certo antes vai necessariamente se repetir. Quem decide é a razão;
  • Deixar-se levar pela empatia. O medo é um sentimento profundamente pessoal. Quando alguém se importa verdadeiramente com o próximo, desloca o foco da ansiedade de si mesmo para um elemento externo, o interesse objetivo por aquilo que outras pessoas estão vivendo. Isso dá outra perspectiva, mais realista, daquilo que se está enfrentando internamente — o que inclui os medos e angústias.

Além de contribuir para a reflexão sobre o medo, o livro de Sant'Anna é uma aula de geopolítica ancorada em relatos de primeira mão dos principais conflitos das últimas décadas. "Minha Guerra Contra o Medo — O que o risco de morte ensina sobre a vida" (edição do autor, 236 páginas, R$ 54,90) está disponível para compra nos sites da Livraria Cultura e da Amazon.

Sobre o Autor

Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto, com André Liohn) e “No Teto do Mundo” (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).

Sobre o Blog

“O que mantém a humanidade viva?”, perguntava-se o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Essa é a pergunta que motiva esse blog a desembaraçar o noticiário internacional – e o nacional, também, quando for pertinente – e a lançar luz sobre fatos e conexões que não receberam a atenção devida. Esse é um blog que quer surpreender, escrito por alguém que gosta de ser surpreendido.