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Diogo Schelp

Terroristas de extrema direita não devem ser tratados como loucos

Diogo Schelp

05/08/2019 16h33

El Paso

"Isso foi causado por racismo", diz cartaz de manifestante em El Paso, no domingo (4) (Foto: Jose Luis Gonzalez/Reuters)

"Distúrbios mentais e ódio puxam o gatilho, não a arma", disse o presidente americano Donald Trump nesta segunda-feira (5) em pronunciamento sobre os atentados a tiros ocorridos no Texas e em Ohio no fim de semana. O ódio, é óbvio que sim, puxa o gatilho, especialmente se estiver associado a uma ideologia. No caso do ataque em El Paso, Texas, pelo menos, a motivação já foi esclarecida: trata-se de mais um atentado terrorista cometido por um extremista nacionalista (ou supremacista branco, ou ultra-direitista — ainda não se chegou a uma denominação unânime).

Há muita discussão nos Estados Unidos em torno das afirmações, feitas por especialistas e por parte da imprensa, de que os ataques de nacionalistas brancos nos últimos anos foram mais numerosos do que os atentados islâmicos no país e que Trump é o culpado por causa do seu discurso agressivo contra imigrantes.

A primeira afirmação é feita com base em dados que permitem diferentes interpretações. Se um ex-aluno com ideias racistas e xenófobas entra atirando em sua antiga escola, isso deve ser classificado como um atentado terrorista de direita ou como um tiroteio em massa como tantos outros que ocorrem nos Estados Unidos? Há controvérsias.

Já a segunda afirmação, de que a culpa é de Trump, é exagerada, mas segue a mesma lógica usada para responsabilizar clérigos muçulmanos pela radicalização que levou muitos jovens europeus e americanos a cometer atentados terroristas nas últimas duas décadas. A pregação anti-Ocidente em algumas mesquitas da Europa e dos Estados Unidos, mesmo quando não se faz uma apologia aberta aos métodos violentos do terrorismo islâmico, é considerada um dos primeiros passos para a formação de um extremista. Da mesma forma, pode-se criticar Trump pela linguagem e pela campanha de desinformação, que, no mínimo, ajudam a legitimar atos de violência de motivação racial ou contra estrangeiros.

No caso específico do ataque em El Paso, que matou 22 pessoas, muitas delas de origem hispânica, é preciso evitar que as suposições de loucura ofusquem o aspecto do ódio ideológico relacionado ao crime. Terroristas, sejam eles de direita, de esquerda ou islâmicos, não são necessariamente loucos. Aliás, na maioria das vezes não são. Desde os atentados de 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos, foram feitos diversos estudos científicos com os perfis psicológicos de terroristas islâmicos. A conclusão praticamente unânime é que não se pode atribuir seus atos a distúrbios mentais. Eles costumam ter plena consciência de suas atrocidades e de suas consequências.

Com o terrorismo de extrema direita não é diferente. Anders Breivik, o norueguês que matou 77 pessoas, a maioria adolescentes, em julho de 2011, foi declarado mentalmente são pelo tribunal que o condenou a 21 anos de prisão em 2012. No livro "Um de nós", a jornalista norueguesa Asne Seierstad, mais conhecida no Brasil pelo best-seller "O Livreiro de Cabul", fez um mergulho profundo no passado de Breivik e trouxe uma conclusão ainda mais perturbadora: o assassino em massa era um homem comum, mas com ideias extremistas e infeliz com a própria mediocridade. A barreira que impede um indivíduo com esse perfil de cometer atrocidades indizíveis parece ser muito frágil. Mais eficiente do que tentar evitar que ela seja transposta ou derrubada é combater o extremismo em si.

Ao contrário do terrorismo islâmico, os ataques de motivação racista ou nacionalista não costumam ser cometidos por indivíduos que fazem parte de uma organização que financia e promove os atentados. A exemplo dos "lobos solitários" — como eram chamados os terroristas muçulmanos que nos últimos anos fizeram matanças a facas, machados ou por meio de atropelamentos inspirados pelo Estado Islâmico, mas sem obedecer a comandos diretos do grupo com sede na Síria —, extremistas de direita como Patrick Crusius, de El Paso, e Brenton Tarrant, que matou 51 pessoas em mesquitas em Christchurch, na Nova Zelândia, agem por iniciativa própria, mas inspiram-se nos atos uns dos outros. Estima-se que um terço dos atentados cometidos por nacionalistas desde 2011 foram inspirados em ataques semelhantes, em geral por se referirem a eles em seus "manifestos" publicados online antes da matança.

Trump fez bem em dar nome aos bois, usando as expressões "supremacia branca" e "racismo" ao se referir aos ataques. Seu antecessor, Barack Obama, era criticado por evitar a palavra "islâmico" ao falar de atentados terroristas… islâmicos. Mas isso não basta. Enquanto mantiver a retórica agressiva contra imigrantes e contra políticos negros, Trump não conseguirá se dissociar de atos violentos cometidos por extremistas xenófobos e racistas.

Sobre o Autor

Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto, com André Liohn) e “No Teto do Mundo” (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).

Sobre o Blog

“O que mantém a humanidade viva?”, perguntava-se o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Essa é a pergunta que motiva esse blog a desembaraçar o noticiário internacional – e o nacional, também, quando for pertinente – e a lançar luz sobre fatos e conexões que não receberam a atenção devida. Esse é um blog que quer surpreender, escrito por alguém que gosta de ser surpreendido.