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Diogo Schelp

Defesa que ex-senador faz de garimpo se parece com a de Bolsonaro

Diogo Schelp

08/10/2019 14h38

Amazônia

Agente do Ibama atira combustível em maquinário
(Foto: Nacho Doce/Reuters)

O conteúdo dos áudios do ex-senador e ex-deputado federal Ernandes Amorim, revelados por reportagem da Folha de S.Paulo desta terça-feira (8), lembra, em mais de um momento, a retórica usada pelo presidente Jair Bolsonaro para defender as atividades do garimpo na Amazônia.

Nas mensagens de voz enviadas por Amorim a um grupo de WhatsApp que reúne garimpeiros, o atual vereador por Ariquemes (RO) alerta para operações de fiscalização do Ibama e sugere suspender as atividades por um tempo.

Em um dos áudios, ele demonstra indignação com a prática dos fiscais do Ibama de destruir maquinário usado nas atividades ilegais: "Pessoal chegou lá, queimou as PCs […] chegou, encostou as camionetes juntas e tacou fogo. Motor, planta, rancho, alojamento […] esse pessoal não tem pena de ninguém, não."

Em abril, Bolsonaro demonstrou o mesmo tipo de indignação com a destruição de tratores e outros equipamentos pelos fiscais, apesar de isso ser permitido por lei nas situações em que o transporte e a guarda dos itens é impossível por questões logísticas.

Na ocasião, Bolsonaro chegou a desautorizar a prática: "Não é pra queimar nada, maquinário, trator, seja o que for, não é esse procedimento, não é essa a nossa orientação."

Prática retomada

Nos últimos meses, no entanto, depois que o governo brasileiro foi criticado por causa do aumento nos índices de desmatamento e de queimadas na Amazônia, as operações de fiscalização com destruição de equipamentos foram retomadas.

Os áudios de Amorim indicam que a medida surte efeito e representa um grande impacto para quem participa das atividades ilegais, pois os equipamentos custam caro. Uma retroescavadeira hidráulica usada, por exemplo, não custa menos que 100.000 reais. "Essa queimação de máquina aí, isso surte efeito. Acovarda o pessoal. Desarma o pessoal. Desmotiva o pessoal", diz Amorim.

Em outro trecho, ele enaltece os garimpeiros e os retrata como vítimas de um sistema de proteção ambiental cruel e injusto: "Mas o garimpeiro não é disso, é aquele cidadão pacato, humilde, acostumou a sofrer."

A retórica lembra a que foi usada por Bolsonaro em um vídeo transmitido ao vivo no Facebook na semana passada, em que ele disse: "Aí vocês querem pegar um coitado de um desgraçado de um garimpeiro, a mão calejada, só sabe fazer aquilo, e querem criminalizar, prender, esquartejar o cara."

No mesmo vídeo, o presidente disse que pretende ajudar os garimpeiros. "No que depender de mim, dependo do Parlamento, vamos dar carta branca para o homem buscar seu ouro, seu diamante no Brasil todo, preservando o meio ambiente, sem usar mercúrio."

Lei é lei

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, costuma dizer que uma forma de combater os impactos ambientais da mineração ilegal é adotar políticas para regularizá-la, dentro de certas regras.

O que os áudios revelados pela Folha expõem, porém, é uma atividade empenhada em burlar a fiscalização — e valendo-se de justificativas que parecem tiradas da boca do Presidente da República.

Sobre o Autor

Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto, com André Liohn) e “No Teto do Mundo” (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).

Sobre o Blog

“O que mantém a humanidade viva?”, perguntava-se o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Essa é a pergunta que motiva esse blog a desembaraçar o noticiário internacional – e o nacional, também, quando for pertinente – e a lançar luz sobre fatos e conexões que não receberam a atenção devida. Esse é um blog que quer surpreender, escrito por alguém que gosta de ser surpreendido.