Subserviência em diplomacia não leva a nada
O presidente Jair Bolsonaro afirma que o americano Donald Trump é o seu ídolo. Há quem diga que, como todo fã, ele procura imitá-lo em tudo. Não se trata, porém, de pura imitação. Os dois são mesmo feitos do mesmo barro. A postura de confrontação constante com os adversários, por exemplo, é resultado do pendor autoritário de ambos. O uso intensivo das redes sociais e a tendência de falar diretamente com a base de apoiadores, sem intermediários, por sua vez, é comum a líderes populistas e personalistas da atualidade.
A diferença é que Trump preside a maior potência econômica e militar do mundo e Bolsonaro… bem, Bolsonaro, não.
Entre as inúmeras máximas em diplomacia há aquela que diz que países não têm amigos, têm interesses.
Pode-se criticar Trump por muitas coisas, mas se há algo que ele tem são interesses claros — ainda que, muitas vezes, suas decisões pareçam mais talhadas para ir na direção contrária desses interesses.
China e Síria
Um dos objetivos de Trump em política externa é garantir a supremacia americana e barrar a ascensão de adversários comerciais, como está evidente no caso da China. Trump também almeja uma arena internacional em que as relações entre os países voltem ao seu estado bruto, ou seja, em que cada um resolva suas diferenças por conta própria, de acordo com a sua capacidade de impor a vontade sobre o outro.
Por isso, decidiu abandonar os curdos à própria sorte na Síria, depois de os Estados Unidos terem se utilizado do sangue e do suor desse povo para derrotar os terroristas do Estado Islâmico. A Turquia considera as forças curdas na Síria um braço de um grupo separatista com atuação em seu território e já está ocupando militarmente o vácuo deixado pelos americanos.
É perfeitamente plausível que a retirada de Trump e a destruição dos curdos pelos turcos abra espaço para a volta do Estado Islâmico. Mas, de imediato, Trump segue seu objetivo de deixar que os outros resolvam seus próprios problemas. Compromisso com aliados de ocasião não é com ele. Que se virem.
Bolsonaro, aliado?
A preferência de Trump por um contexto internacional hobbesiano reflete-se no seu desprezo pelas instituições internacionais. Sua diplomacia trabalha para enfraquecê-las ou, ao menos, para impedir que elas se tornem ainda mais fortes e mais complexas. Por isso, o governo americano prefere que a OCDE não ganhe novos membros.
Essa posição ia contra o interesse brasileiro de ser aceito na OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Mas a diplomacia bolsonarista acreditou que, ao oferecer seu alinhamento automático com os Estados Unidos, seria atendida nesse pleito. E, em troca de uma simples promessa de ter o apoio americano em sua candidatura, fez concessões imediatas, como abdicar de ter os benefícios de país em desenvolvimento nas negociações comerciais no âmbito da Organização Mundial de Comércio (OMC).
Trump, no entanto, não construiu seu império imobiliário cumprindo promessas. Os parceiros de negócios só lhe interessam quando têm algo a oferecer. Depois que abrem a carteira, já era.
Trump já pagou, com migalhas, pela subserviência do Brasil no episódio das queimadas na Amazônia. Enquanto a Europa puxava a orelha do governo brasileiro por não estar cuidando da floresta, chegando ao ponto de questionar a soberania do Brasil sobre parte de seu território, Trump calou-se e não entrou no jogo, o que foi comemorado com grande e exagerada fanfarra por Bolsonaro.
Promessa ou expectativa
No caso da expansão da OCDE, porém, os Estados Unidos não cumpriram com o prometido. Ou, para ser mais exato, não cumpriram com a expectativa que o governo brasileiro tinha de ser atendido nesse pleito.
É o que sugere a notícia de que o apoio à candidatura do Brasil não foi incluído em carta do secretário de Estado Mike Pompeo à OCDE sobre a questão da expansão da organização.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso inaugurou o que é conhecido entre os especialistas em relações internacionais como a diplomacia da "autonomia pela integração", em que o Brasil procurava ampliar seu protagonismo externo por meio da participação em organismos internacionais.
Os governos do PT seguiram a estratégia da "autonomia pela diversificação", que consistia em ampliar os laços com o chamado Sul Global, uma aliança maior com os países em desenvolvimento — estratégia que perdeu fôlego sob Dilma Rousseff.
O governo de Michel Temer reverteu algumas das posições da política externa de Lula e de Dilma e tentou retomar em parte a estratégia da era FHC, investindo fortemente nas negociações que desembocaram, este ano, no acordo de livre comércio entre União Europeia e Mercosul.
A política externa de Bolsonaro até agora, porém, caminha para ganhar a alcunha de "isolamento pela subserviência".
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