Caso chileno mostra que exigência social cresce junto com sucesso econômico
A esquerda brasileira comemora os protestos violentos no Chile como se fossem uma prova de que o modelo econômico liberal do país é um fiasco. Trata-se de uma comemoração imoral — e de uma avaliação precipitada.
As ruas do Chile não estão em chamas porque o sistema econômico do país é injusto. A insatisfação exposta nos protestos que resultaram em quinze mortos, a maioria causados pelos próprios manifestantes que incendiaram lojas saqueadas, nasceu, na realidade, das conquistas econômicas e sociais do país nos últimos anos.
Parece contraditório, mas não é. O que acontece no Chile é um fenômeno comum em países que deixam para trás os piores períodos de pobreza e estão prestes a alcançar o patamar de países desenvolvidos. A questão é que com este "prestes" vêm grandes expectativas. As condições de vida não melhoram para todos na mesma rapidez e proporção, e a parcela da população que se sente deixada para trás enfrenta, obviamente, uma amarga frustração.
Em menos de duas décadas, o índice de pobreza no Chile desabou. A parcela da população vivendo com menos do que 5,5 dólares por dia caiu de 30%, em 2000, para 6,4%, em 2017, segundo dados do Banco Mundial. No Brasil, em comparação, a proporção de pobres, de acordo com os mesmos critérios, é de cerca de 26%.
Sempre de acordo com os últimos dados do Banco Mundial, a taxa de desemprego no Chile é de 7,2%, enquanto no Brasil é de 12,5%. E, enquanto os brasileiros vivem em uma sociedade extremamente violenta, com 31 homicídios intencionais por 100.000 habitantes, os chilenos registram uma taxa de apenas 4 homicídios por 100.000 habitantes. O Chile é um dos países mais seguros da América Latina.
Apesar disso, a segurança pública aparece como principal preocupação dos chilenos nas pesquisas de opinião, à frente de saúde e educação.
É evidente que há problemas, e os sistemas de saúde, de educação e previdenciário são os que mais frustram as expectativas dos chilenos. Em uma pesquisa realizada em 2018, 52% disseram que o atendimento em saúde, tanto o público quanto privado, piorou. Na educação, o maior gargalo é o acesso ao ensino superior. A dívida escolar atinge cerca de 600.000 estudantes no país, muitos dos quais talvez precisem trabalhar o resto da vida para pagar o débito.
Além disso, as aposentadorias são, em geral, muito baixas. Apenas metade dos chilenos que se aposentaram em junho deste ano, por exemplo, vão receber mais do que 272 reais por mês.
A desigualdade social, por fim, aparece como o maior nó no processo de desenvolvimento do país. A diferença entre ricos e pobres no Chile é profunda, ainda mais se comparada aos vizinhos mais próximos, como a Argentina e o Peru. Ainda assim, mesmo neste quesito os chilenos estão melhores do que os brasileiros. No Chile, o índice Gini, que mede a desigualdade social (quanto maior o número, pior), é 46,6; no Brasil, é 53,3.
A questão é que ninguém quer estar na base da pirâmide em um país que, segundo anunciou o presidente Sebastián Piñera antes de assumir o atual mandato, entrará para o clube dos países desenvolvidos em 2025 — ou seja, em apenas seis anos.
Essa frustração foi canalizada para o alto custo do transporte público e agora saiu de controle. Mas é um erro dizer que os protestos provam que o modelo chileno é um fracasso. O mais correto é afirmar que são um efeito colateral do sucesso chileno — dores agudas que resultam do crescimento intenso das últimas décadas. Ainda dá tempo de receitar a dose certa de ajustes (na previdência, por exemplo) para evitar que essas dores acabem atrofiando o futuro do país.
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