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Diogo Schelp

Óleo no Nordeste: conheça teorias mais e menos prováveis sobre sua origem

Diogo Schelp

25/10/2019 17h16

Petróleo

Limpeza de óleo em Itapuã, Salvador (Foto: Raul Spinassé/Folhapress)

Passados mais de 50 dias desde os primeiros sinais do vazamento que já despejou mais de 1.000 toneladas de óleo nas praias do Nordeste, ainda não se sabe o que causou o desastre ambiental. Diversas teorias já foram aventadas, algumas nascidas nas redes sociais da interpretação equivocada de informações esparsas, outras levantadas por membros do governo ou das entidades envolvidas na investigação a respeito da origem das manchas.

Abaixo estão elencadas as principais hipóteses levantadas até agora e uma avaliação do grau de probabilidade de estarem corretas, com base no que já se tem de informação relativamente segura a respeito do tema.

Teoria: Foi um ato de sabotagem do governo venezuelano

Probabilidade: Baixa

A Petrobras afirmou que o óleo não é brasileiro. Também foi noticiado que a empresa entregou ao governo federal um relatório em que informa que o produto é de origem venezuelana, o que foi corroborado pela Marinha. Segundo a informação mais recente, há três campos de petróleo na Venezuela de onde se extrai um produto compatível com o que foi encontrado no Nordeste.

Isso, por si só, porém, não é o suficiente para afirmar que o vazamento é um ato de sabotagem da Venezuela, como sugeriu o presidente Jair Bolsonaro.

Para cometer um crime desses, capaz de espalhar óleo por uma faixa de 2.500 quilômetros de extensão do litoral, os sabotadores teriam que calcular o comportamento das correntes marítimas e despejar o resíduo propositalmente em uma área específica do Oceano Atlântico, a mais de 400 quilômetros da costa brasileira.

Isso pode ser feito? Sim, mas o risco de um país estrangeiro ser pego cometendo algo assim, que poderia ser interpretado como um ato de guerra, não compensaria o eventual ganho que supostamente haveria em prejudicar, digamos, o leilão de exploração de petróleo em águas brasileiras. Simplesmente não faz sentido.

Teoria: O óleo vazou de um navio petroleiro "fantasma"

Probabilidade: Média

Esta é uma das hipóteses com a qual a Marinha trabalha em sua investigação.

Como já foi relatado por esse blog aqui e aqui, há diversos navios fazendo o transporte de petróleo cru venezuelano para a Ásia de forma clandestina, com o intuito de burlar as sanções americanas. Para isso, evitam os canais que encurtam caminhos (como o do Panamá e o de Suez) e desligam o sistema de rastreamento automático que permite identificar em tempo real as rotas das embarcações em todo o mundo.

Em tese, um desses navios poderia ter sofrido um vazamento em alto-mar, ao passar pela mesma latitude de algum ponto do litoral nordestino, seja por alguma avaria, seja por um acidente ao fazer uma transferência de óleo de navio para navio (ship to ship).

Há três problemas com essa teoria. O primeiro é que transferências ship to ship não costumam ser feitas em alto-mar, por serem muito arriscadas em águas agitadas.

O segundo é que petróleo cru costuma ser transportado a granel em navios-tanque com capacidade para carregar, no mínimo, algumas dezenas de milhares de toneladas e, nas embarcações maiores, várias centenas de milhares de óleo. A quantidade de óleo que foi recolhida nas praias nordestinas até agora, apesar de suficientemente grande para causar muito estrago, é pequena perto do que se esperaria se tivesse sido originada por um dano a um navio-tanque.

O terceiro problema é que ainda não está claro se o produto encontrado nas praias nordestinas é, de fato, petróleo cru, ainda que se saiba que tem origem venezuelana. "Parece-se muito com o piche que, décadas atrás, chegava em pequenas quantidades ao litoral por causa da lavagem e do descarte de resíduos dos porões dos navios", disse em entrevista ao blog o senador Jean Paul Prates (RN-PT), que antes de entrar para a política fez carreira no setor de petróleo e combustíveis e que visitou alguns dos locais afetados pelo atual desastre.

Teoria: O óleo vazou de toneis que caíram ou foram jogados de um navio em alto-mar

Probabilidade: Média

Uma das melhores pistas até agora da origem do vazamento são os barris com óleo encontrados em uma praia em Sergipe e, posteriormente, no mar, próximo a Natal, no Rio Grande do Norte.

Como revelou este blog, a análise feita pela Universidade Federal de Sergipe comparando os óleos das manchas e o produto dos barris sugere que há uma grande probabilidade de que estes estavam no mesmo evento que causou o vazamento do óleo. O laudo da UFS também sugere que o óleo dos toneis pode não ser petróleo cru, mas sim bunker oil, óleo residual do refino de gasolina ou diesel, muitas vezes usado como combustível barato de navios. 

A quantidade de óleo encontrada até agora nas praias também é compatível com essa hipótese, pois navios podem carregar até mais do que 1.000 toneladas desse tipo de óleo armazenadas em toneis.

Se o que está poluindo as praias nordestinas for petróleo cru, porém, esta teoria perde força.

A Marinha notificou 30 embarcações que passaram por rotas ao longo do litoral nordestino em datas anteriores a 2 de setembro. Algum desses navios pode ter descartado de má fé ou "perdido" no mar essa carga de óleo ou resíduo de combustível.

Teoria: O óleo das manchas é responsabilidade da empresa Shell

Probabilidade: Zero

Essa teoria parte do fato de que os toneis encontrados em Sergipe continham o selo da Shell. Como indicam as próprias inscrições nos barris, porém, os tambores serviam originalmente para comercializar um lubrificante fabricado pela empresa — com características totalmente distintas tanto do óleo que se encontrava em seu interior quando foram encontrados na praia quanto com o óleo das manchas. Basta comparar as fotos que mostram o lubrificante original e o óleo das praias.

Lubrificante da Shell originalmente armazenado nos toneis (Foto: Divulgação)

 

Manchas de óleo no litoral sergipano (Foto: Adema/Governo de Sergipe)

Os barris, portanto, foram reutilizados para outro fim. A Shell forneceu ao governo o nome das duas empresas que compraram os lotes do lubrificante que foram originalmente transportados nos barris em questão.

Uma reportagem do Estadão afirma que uma dessas empresas, a Super-Eco Tankers Management, reconhece que opera em águas brasileiras. A empresa afirmou, porém, que apenas transporta "óleo refinado para exportação" e que não transporta petróleo bruto. Também afirma que seus navios nunca estiveram envolvidos "em nenhum acidente relacionados à poluição por petróleo".

Teoria: O óleo teria relação com a passagem do navio do Greenpeace ao longo da costa brasileira

Probabilidade: Zero

O navio Esperanza, do Greenpeace, partiu de Dégrad des Cannes, na Guiana Francesa, no dia 5 de outubro rumo ao Uruguai, onde aportou esta semana. A embarcação não passou, portanto, pelo litoral nordestino antes do início de setembro, quando o vazamento de óleo se iniciou.

Em resposta a este blog, a assessoria de imprensa do Greenpeace informou que o "navio Esperanza está fazendo parte de uma campanha internacional chamada Proteja Os Oceanos, que saiu do Ártico e vai até a Antártida ao longo de um ano denunciando as ameaças aos mares. Em agosto, esteve nas águas da Guiana Francesa em uma expedição científica que destacou os riscos da exploração de petróleo na região e documentou imagens do recife conhecido como Corais da Amazônia, ecossistema que se estende do Brasil até o território francês."

A ONG também confirmou o que os dados dos sites de rastreamento de navios já indicavam: "Não passamos pelo nordeste no auge do vazamento. Em setembro, quando começou o vazamento, nosso navio não estava próximo à essa região."

Ainda há muitas pontas soltas entre os indícios que podem levar à descoberta da origem do óleo que continua poluindo as praias do Nordeste.

Sobre o Autor

Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto, com André Liohn) e “No Teto do Mundo” (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).

Sobre o Blog

“O que mantém a humanidade viva?”, perguntava-se o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Essa é a pergunta que motiva esse blog a desembaraçar o noticiário internacional – e o nacional, também, quando for pertinente – e a lançar luz sobre fatos e conexões que não receberam a atenção devida. Esse é um blog que quer surpreender, escrito por alguém que gosta de ser surpreendido.