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Diogo Schelp

Único efeito do embargo é servir de desculpa para fracasso do regime cubano

Diogo Schelp

07/11/2019 16h24

Cuba

Desalento em Havana: culpa do embargo? (foto: Luna Kalil/UOL)

Em 2016, o governo dos Estados Unidos decidiu, pela primeira vez na história, se abster na tradicional votação que ocorre todos os anos na ONU contra o embargo americano a Cuba. Os Estados Unidos se abstendo de defender uma medida dos próprios Estados Unidos?

Naquele ano, quem ocupava a Casa Branca era o presidente Barack Obama. Longe de defender a política externa obamista — que, talvez por excesso de boas intenções, cometeu erros mortais, como nas decisões equivocadas diante da Primavera Árabe —, é preciso reconhecer que, neste caso, ela estava certa.

Obama, no que foi possível, relaxou as imposições americanas a Cuba. O embargo em si, porém, só pode ser derrubado pelo Congresso dos Estados Unidos. Talvez fizesse sentido durante a Guerra Fria, quando a ilha comunista era centro de tensões — inclusive militares, como no caso da Crise dos Mísseis, em 1962 — com a União Soviética.

Com Donald Trump na presidência, a aproximação com Cuba retrocedeu ao ponto anterior. Agora, pela primeira vez, o Brasil votou contra resolução da ONU que condena o embargo. A votação tem apenas valor simbólico, mas é mais uma demonstração de alinhamento automático da política externa de Jair Bolsonaro aos Estados Unidos.

Como forma de forçar a queda do regime, o embargo provou-se inútil. Há muito tempo só funciona para uma coisa: servir de desculpa para a miséria em que o sistema socialista cubano aprisiona seu povo.

Trata-se de uma falácia que a esquerda brasileira adora repetir.

O embargo americano não é o culpado pela pobreza cubana. A culpa é da centralização da economia, da impossibilidade de se criar riqueza no país sem o controle do Estado. A economia cubana é avessa ao empreendedorismo — o que é bastante óbvio quando não se tem qualquer tipo de liberdade, nem econômica, nem individual.

Vejamos esta notícia quentíssima vinda de Cuba: pela primeira vez, os cubanos poderão trabalhar como pescadores independentes. Eles não apenas poderão fisgar seus peixes, como comercializá-los diretamente. Podem até vendê-los para estrangeiros, não apenas para cubanos! Leiam aqui, no Granma. Quanta liberdade, não? Uma medida revolucionária, realmente. Só que não.

E depois dizem que a culpa é do embargo. Ora, o embargo só impede Cuba de fazer negócios com os Estados Unidos. Se fosse uma economia produtiva, eficiente, nada impediria Cuba de prosperar vendendo produtos e serviços para o resto do mundo.

Cuba faz negócios com o Brasil, por exemplo. No ano passado, as trocas comerciais entre os dois países totalizaram 376 milhões de dólares. A balança bilateral é amplamente favorável ao Brasil, cujas exportações para Cuba representaram 342 milhões de dólares. Se tivesse mais a oferecer, Cuba poderia reduzir esse déficit.

Se Cuba pode fazer negócios com o Brasil, qual o sentido em votar a favor do embargo americano?

Sobre o Autor

Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto, com André Liohn) e “No Teto do Mundo” (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).

Sobre o Blog

“O que mantém a humanidade viva?”, perguntava-se o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Essa é a pergunta que motiva esse blog a desembaraçar o noticiário internacional – e o nacional, também, quando for pertinente – e a lançar luz sobre fatos e conexões que não receberam a atenção devida. Esse é um blog que quer surpreender, escrito por alguém que gosta de ser surpreendido.