Autoritarismo do governo causa instabilidade e atrapalha reformas
Há pouco menos de um mês, o governo brasileiro teve uma grande decepção ao realizar um leilão para a exploração de petróleo no pré-sal. Apenas três das nove áreas ofertadas foram arrematadas — pelo valor mínimo e com uma participação ínfima de empresas estrangeiras.
Na busca de explicações para tal fracasso, houve quem citasse o misterioso vazamento de óleo no litoral nordestino, o sistema de partilha ou a demora na realização do leilão, em um momento em que os preços do petróleo nem de longe se comparam ao que vigoravam quando as reservas do pré-sal foram descobertas.
Mas a verdadeira razão para o leilão ter sido ignorado pelas maiores empresas de petróleo do mundo foi a percepção de instabilidade política e econômica no Brasil. Essa explicação é compartilhada por gente de dentro da Petrobras.
Falta confiabilidade
Por mais que o presidente Jair Bolsonaro procure soprar a trombeta da Reforma da Previdência para alardear que o país está fazendo a lição de casa com o intuito de arrumar as contas públicas e consolidar a retomada do crescimento do PIB, aos olhos do mundo seu governo não inspira lá muita confiança. E confiabilidade é o que o capital externo procura.
No que se refere à instabilidade econômica, há três fatores que reduzem bastante as expectativas sobre o quanto os objetivos da equipe econômica poderão ser alcançados.
O primeiro fator é a projeção pífia de crescimento econômico do Brasil nos próximos anos — mesmo se comparada ao resto do mundo. A estimativa para 2019 é de um incremento de 0,9% do PIB, enquanto a média mundial será de 2,9%.
O segundo fator é a possibilidade cada vez mais real de que os ganhos com as mudanças na previdência fiquem muito aquém do que o pretendido por causa de rapapés a certos interesses corporativistas. Esta semana, por exemplo, o Senado aprovou uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) com benesses que podem aumentar em 43 bilhões de reais os gastos previdenciários em 10 anos.
O terceiro fator é que o governo está tirando o pé do acelerador das reformas, adiando para o ano que vem a discussão de temas administrativos e tributários, por exemplo. Em contrapartida, vem tentando empurrar goela abaixo da sociedade Medidas Provisórias e decretos com mudanças em questões trabalhistas e outras, de grande impacto social, sem o devido debate.
Três níveis de autoritarismo
Esse cenário é agravado pela postura autoritária do governo, que se manifesta em três níveis.
O primeiro nível de autoritarismo é na relação com o Congresso. O Palácio do Planalto tenta empurrar os decretos acima mencionados sem qualquer negociação coordenada com os parlamentares. E, no sentido contrário, tem visto seus vetos a projetos de lei sendo derrubados pelos congressistas.
O segundo nível de autoritarismo ocorre no âmbito da relação de Bolsonaro com sua própria base de apoio. O presidente coloca os interesses políticos de sua família acima das alianças que o ajudariam a governar. Ao romper com o PSL, dividiu a base bolsonarista e conseguiu enfraquecer ainda mais sua posição no Congresso.
O terceiro nível de autoritarismo, e o mais grave, é a postura de intolerância com as vozes que destoam de seu governo. Nisso estão incluídas medidas antidemocráticas e ilegais como a exclusão da Folha de S.Paulo de licitação federal, a sugestão de boicote aos anunciantes do jornal e a ameaça de recorrer à força para conter possíveis protestos de rua contra o seu governo.
Imagem global
Some tudo isso a declarações constrangedoras, como a acusação infundada feita por Bolsonaro de que o ator americano Leonardo DiCaprio financiou queimadas na Amazônia, e o que se tem é um governo incapaz de transmitir a credibilidade e a confiabilidade necessárias para demonstrar ao mundo que o Brasil é um país estável e para obter consenso político na aprovação de reformas.
Se o autoritarismo se limitasse ao presidente, talvez — um "talvez" bem grande — ao menos fosse possível tratar tudo como uma idiossincrasia sem maiores consequências práticas. Seria a confirmação do tal bordão que levou muita gente a justificar seu voto em Bolsonaro: "esse é o estilo dele, mas o que importa é o que o Guedes vai fazer".
O que Guedes faz e fala
O problema é que o autoritarismo do governo Bolsonaro não se limita mais — se é que em algum momento se limitou — ao seu núcleo ideológico.
O próprio ministro da Economia Paulo Guedes em mais de uma ocasião deixou-se apanhar em declarações que reforçam a retórica autoritária de Bolsonaro e de seu entorno. A última foi a alusão desastrosa e dúbia a respeito do AI-5, uma das leis que institucionalizaram a repressão política durante a ditadura militar.
No momento em que interesses corporativistas se colocam como obstáculo às reformas, o autoritarismo do governo Jair Bolsonaro achata o debate público, aniquila a possibilidade de negociação com os diferentes setores da sociedade e oferece uma ótima desculpa aos adversários políticos que só querem ver o circo pegar fogo.
Quem perde, como sempre, é a maioria da população brasileira que só teria a ganhar no longo prazo com a extirpação de privilégios por meio de reformas efetivas e sérias.
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