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Diogo Schelp

A hora do impeachment: 5 razões para não tirar Donald Trump do cargo

Diogo Schelp

17/12/2019 13h20

Trump

O presidente americano Donald Trump (Foto: Danny Wild-USA TODAY Sports/Reuters)

A Câmara dos Representantes dos Estados Unidos prepara-se para votar o impeachment do presidente Donald Trump nesta quarta-feira (18). Se aprovado — e há uma boa chance de que seja — o processo vai para o Senado.

A investigação conduzida pelos deputados americanos concluiu que Trump abusou do seu poder para obter vantagem política pessoal ao usar uma ajuda militar para pressionar o governo da Ucrânia a investigar possível tráfico de influência de Joe Biden, pré-candidato democrata à presidência, quando era vice na gestão de Barack Obama. Em menos de um ano, Trump tentará um segundo mandato como presidente e Biden é um dos seus adversários potenciais mais fortes.

Há diversos testemunhos, inclusive de gente do próprio governo, confirmando que Trump usou o cargo para obter, de um país estrangeiro, uma ajuda que o beneficiaria nas eleições de 2020. O que Trump fez é passível de impeachment? Sim. Mas há bons motivos para defender que ele não sofra impeachment.

impeachment de Trump, nas atuais condições, é ruim para os Estados Unidos — e até para a oposição democrata. Eis as razões para não afastá-lo do cargo por meio de um julgamento político:

  • Trump não é um estelionário eleitoral, ele está cumprindo suas promessas de campanha — concorde-se ou não com elas. Ele foi eleito para fazer exatamente o que está fazendo. Guerra comercial, esvaziamento do multilateralismo global, medidas contra a imigração, estava tudo no pacote. Tirá-lo do cargo daria aos eleitores que o colocaram lá a convicção de que a sua vontade política não vale nada. Sim, o argumento é parecido com o que muitos eleitores do PT — mesmo os que estavam decepcionados com o partido — usaram para se opor ao impeachment de Dilma Rousseff, em 2016. E, da mesma forma como ocorreu no Brasil, o impeachment faria os trumpistas se sentirem injustiçados e vitimizados politicamente. O resultado disso seria a ampliação do rancor e da polarização política;
  • Apesar da motivação pessoal e dos métodos torpes, o pedido para que a Ucrânia investigasse um possível caso de corrupção envolvendo um ex-presidente americano, em si, não é errado. Uma parcela considerável dos eleitores considera que o que Trump fez para pressionar a Ucrânia é menos grave do que o possível conflito de interesses envolvendo o pré-candidato democrata Joe Biden. Além disso, a lei americana dá ao presidente poder quase total na definição da política externa. Os defensores do presidente dizem exatamente isso: é impossível Trump ter abusado da autoridade, se sua autoridade na área é absoluta;
  • A economia americana vai bem, obrigado. A taxa de desemprego nos Estados Unidos é de 3,5%, a mais baixa em 50 anos, e as empresas americanas não param de abrir novas vagas. O estado da economia não serve de justificativa para que o presidente use o cargo em proveito pessoal, mas sem dúvida afasta um elemento muitas vezes crucial em um julgamento político: uma indignação generalizada da sociedade com o ocupante do cargo máximo do país. Ou seja, a não ser para o eleitorado democrata, que quer ver Trump pelas costas a qualquer custo, não há clima para impeachment além das fronteiras partidárias;
  • O impeachment de Trump não colocaria os democratas como favoritos para vencer as eleições presidenciais de 2020. Após a votação na Câmara dos Representantes, dominada por democratas, caberá ao Senado julgar o afastamento do presidente. Com maioria republicana, é muito improvável que o Senado vote pelo impeachment. Nunca antes na história dos Estados Unidos um presidente chegou a ser afastado por impeachment. Richard Nixon renunciou antes que isso ocorresse. Bill Clinton e Andrew Johnson foram absolvidos pelos senadores. Mesmo que um raio caia sobre a ala norte do Capitólio e os senadores resolvam votar para tirar Trump do cargo (que ficaria com o vice, Mike Pence), o Partido Democrata continuará tendo o desafio de encontrar um candidato presidencial capaz de vencer as eleições de novembro do ano que vem. O impeachment de Trump poderia, inclusive, dar mais ímpeto aos seus apoiadores, que fariam de tudo para eleger o sucessor que ele apoiasse (nos Estados Unidos, o voto é facultativo e o empenho dos eleitores na campanha e no dia das eleições é um fator decisivo). Em 2016, o Partido Democrata perdeu a votação em bastiões importantes dos colarinhos azuis, a classe trabalhadora americana. Tirar Trump do cargo pode agravar esse distanciamento da tradicional base eleitoral dos democratas;
  • Trump é autoritário e avesso ao debate democrático, mas não representou, até agora, uma ameaça real às instituições americanas. O melhor caminho para a troca de governo, em um contexto de estabilidade (alguém acha que os Estados Unidos estão mergulhados no caos político, econômico e social?), é o voto, ainda mais com eleições presidenciais tão próximas de acontecer.

Mas a realidade é que Trump dificilmente vai perder esta. E ainda pode sair mais forte do que entrou.

Sobre o Autor

Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto, com André Liohn) e “No Teto do Mundo” (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).

Sobre o Blog

“O que mantém a humanidade viva?”, perguntava-se o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Essa é a pergunta que motiva esse blog a desembaraçar o noticiário internacional – e o nacional, também, quando for pertinente – e a lançar luz sobre fatos e conexões que não receberam a atenção devida. Esse é um blog que quer surpreender, escrito por alguém que gosta de ser surpreendido.