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Diogo Schelp

O dilema do embaixador argentino que agora é obrigado a defender Maduro

Diogo Schelp

21/12/2019 13h47

Carlos Foradori

O embaixador da Argentina na ONU em Genebra (Foto: Wikimedia Commons)

No final de 2015, eu estive na Venezuela para acompanhar as eleições para a Assembleia Nacional. Havia um clima de otimismo entre os venezuelanos de todas as classes sociais, confiantes de que, daquela vez, conseguiriam derrotar o chavismo nas urnas, depois de sucessivos pleitos fraudados por diversos meios.

O motivo de tanto otimismo estava bem mais ao sul: na Argentina, Mauricio Macri havia acabado de derrotar o kirchnerismo nas eleições presidenciais, encerrando vários anos de alinhamento automático com o chavismo.

Para os venezuelanos, o posicionamento de outros países da região em relação aos governos chavistas (tanto de Hugo Chávez quanto, depois, de Nicolás Maduro) era crucial, já que a capacidade de eles próprios expressarem seu descontentamento internamente vinha sendo cerceada ano após ano pela endurecimento do regime.

Já nas minhas primeiras viagens à Venezuela, a partir de 2005, percebia que muitos venezuelanos acreditavam que Lula, então o presidente brasileiro, representava uma esquerda moderada que colocaria freios no autoritarismo de Chávez.

Nos anos seguintes, foram se decepcionando com nosso presidente.

Em 2015, fiquei surpreso com a quantidade de vezes que escutei de cidadãos venezuelanos a seguinte ideia: a maré bolivariana estava se retraindo e a eleição do Macri era uma prova disso.

De fato, o chavismo de Nicolás Maduro levou uma surra nas urnas em 2015. No ano seguinte, porém, ele deu um golpe institucional e extirpou o poder da Assembleia recém-eleita. E a Venezuela está empacada até hoje nessa situação.

A eleição de Macri representou uma reviravolta na política externa da Argentina em relação à Venezuela, assim como o governo de Michel Temer, após o impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, representou uma virada em 180 graus no posicionamento do Brasil em relação ao regime de Maduro.

Tanto o governo argentino quanto o brasileiro passaram a pressionar pela abertura política na Venezuela e, posteriormente, a apoiar as sanções americanas contra o país.

Agora, com a eleição de Alberto Fernández e a volta do kirchnerismo na Argentina, verifica-se uma nova guinada na política externa para a Venezuela.

Um marco dessa mudança foi a presença de Jorge Rodríguez, ex-vice-presidente venezuelano, na posse de Fernández. Uma ordem de Macri proibia a entrada de Rodríguez, que está sob sanções dos Estados Unidos, na Argentina. Ele deveria ser preso ao pisar no país. Em vez disso, foi recebido por Fernández.

O novo presidente argentina disse que pretendia adotar uma postura mais moderada ou neutra em relação à Venezuela. São palavras ao vento.

Prova disso é o cavalo de pau diplomático que o representante da Argentina junto aos organismos da ONU em Genebra, Carlos Foradori, está tendo que dar.

Nos últimos anos, sob a política externa de Macri, Foradori foi uma voz de apoio às denúncias contra o regime político na Venezuela. Em outubro, ele foi ao Twitter expressar seu repúdio à possibilidade de que a Venezuela fosse eleita para o Conselho de Direitos Humanos da ONU (como de fato ocorreu), pelo fato óbvio de que o país não respeita os direitos humanos.

Agora, sob o mando do recém-empossado Fernández, Foradori se vê obrigado a defender a ditadura de Nicolás Maduro.

Quando a alta-comissária da ONU para Direitos Humanos, a ex-presidente socialista chilena Michelle Bachelet, apresentou seu novo relatório sobre a situação da Venezuela, Foradori tratou de relativizar as denúncias: "Meu país deseja manifestar que nossa preocupação deve incorporar a dimensão dos direitos econômicos, sociais e culturais. Nesse sentido, o impacto das sanções econômicas, comerciais e financeiras sobre a economia venezuelana está sem dúvida tendo efeitos concretos sobre a população mais vulnerável", disse Foradori em seu aparte.

Ou seja, Foradori, que até poucos meses atrás expressava o apoio de seu país às sanções americanas contra regime de Maduro, agora não apenas as critica como atribui a elas os problemas enfrentados pela população venezuelana.

É função dos diplomatas de carreira cumprir a orientação do governo do momento para a política externa. Ernesto Araújo, o atual chanceler brasileiro, por exemplo, já fez defesa eloquente do então presidente Lula em palestra no Estados Unidos, em 2008.

Quando muda o governo, é natural que mudem as ordens. Geralmente isso se dá de maneira suave, com mudanças de intensidade ou de prioridades.

Quando se trata da Venezuela, porém, isso não parece ser possível. Seja para um lado ou para o outro, as mudanças são de redirecionamento completo.

Pobre Foradori.

Sobre o Autor

Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto, com André Liohn) e “No Teto do Mundo” (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).

Sobre o Blog

“O que mantém a humanidade viva?”, perguntava-se o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Essa é a pergunta que motiva esse blog a desembaraçar o noticiário internacional – e o nacional, também, quando for pertinente – e a lançar luz sobre fatos e conexões que não receberam a atenção devida. Esse é um blog que quer surpreender, escrito por alguém que gosta de ser surpreendido.