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Diogo Schelp

Se surfar na economia, Bolsonaro não vai levar caldo político em 2020

Diogo Schelp

30/12/2019 13h45

Jair Bolsonaro

O presidente Jair Bolsonaro (Foto: Igo Estrela/Estadão Conteúdo)

O fenômeno é verificado em outros países e no Brasil não é muito diferente: há uma correlação direta entre desempenho econômico e popularidade presidencial. Alguns estudos científicos apontam inclusive os dois indicadores que mais impactam na avaliação dos presidentes brasileiros: a inflação e o desemprego.

Se as expectativas positivas para a economia se confirmarem em 2020 — e se o governo continuar com políticas que mais ajudam do que atrapalham essa tendência, principalmente na criação de empregos formais e nos juros baixos —, o presidente Jair Bolsonaro terá em suas mãos um trunfo para os duros obstáculos políticos que o esperam nos próximos meses.

São eles: o escândalo envolvendo o filho Flávio Bolsonaro, senador pelo Rio de Janeiro acusado de se beneficiar de um esquema de rachadinha de salários na Assembleia Legislativa quando era deputado estadual e de ligação com milicianos; as eleições municipais, primeiro teste de criação do novo partido do presidente; e o ímpeto confrontacional do próprio Bolsonaro, que cria dificuldades desnecessárias no campo das negociações políticas internas e da diplomacia (já há quem diga que Bolsonaro acerta mais quando recua).

Bolsonaro vai continuar dando declarações polêmicas, por vezes ultrajantes, sobre costumes, sobre história e até sobre o funcionamento do intestino do cidadãos. Elas servirão apenas para desviar o debate de questões que realmente importam: por exemplo, se a gestão da educação continuará sendo negligenciada em prol de discussões ideológicas inócuas e ultrapassadas.

O presidente já provou nas pesquisas de opinião ter conquistado um núcleo fiel de apoiadores que compõe um terço do eleitorado. Ele pode ampliar essa margem se não descuidar da única parcela da população que empobreceu em 2019: justamente os mais pobres.

Foi o que revelou um estudo do Ipea neste fim de ano: os brasileiros com rendimento médio familiar abaixo de R$ 1.643,78 enfrentaram uma redução de 1,67% na renda nos primeiros nove meses do ano, até setembro (período analisado pelo Ipea).

A equipe econômica de Bolsonaro terá o desafio de confirmar as boas expectativas para 2020, mas precisará também resistir à tentação de adotar medidas que penalizem ainda mais os brasileiros mais pobres, como a cobrança de imposto sobre o seguro-desemprego e a volta da CPMF, que expulsaria os menos abastados do sistema bancário.

O ex-presidente argentino Mauricio Macri foi defenestrado nas eleições deste ano em grande parte porque não foi capaz de evitar o crescimento da pobreza, enquanto tentava em vão arrumar o estrago macroeconômico deixado pelo kirchnerismo.

Trata-se de um exemplo que, mesmo levando-se em conta as diferenças entre os dois países, deve servir de alerta a Bolsonaro.

Sobre o Autor

Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto, com André Liohn) e “No Teto do Mundo” (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).

Sobre o Blog

“O que mantém a humanidade viva?”, perguntava-se o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Essa é a pergunta que motiva esse blog a desembaraçar o noticiário internacional – e o nacional, também, quando for pertinente – e a lançar luz sobre fatos e conexões que não receberam a atenção devida. Esse é um blog que quer surpreender, escrito por alguém que gosta de ser surpreendido.