O que acontece se as tropas americanas deixarem o Iraque
O impacto de um retirada
A segunda pergunta, o que a retirada das tropas significaria para os países envolvidos, é importante porque as respostas ajudam a entender o possível desenrolar do conflito entre Estados Unidos e Irã.
A medida tem um impacto diferente para cada país:
- Irã — Forçar a retirada das tropas americanas no Iraque era prioridade de Qassem Soleimani. Ou seja, se ela ocorrer, o general iraniano terá uma vitória póstuma. O governo iraniano verá da mesma forma. O Iraque é um país de maioria xiita, a mesma corrente do islamismo que predomina no Irã, e os aiatolás há muito tempo trabalham para ampliar sua influência no país. Com os americanos fora do território, o vácuo de influência será ocupado parcialmente pelo Irã, a exemplo do que vem ocorrendo na Síria.
- Iraque — Encerrar a presença militar americana, que já dura 17 anos quase sem interrupção, é evidentemente um objetivo legítimo de um país que busca recuperar sua soberania plena. Mas, do ponto de vista prático, o Iraque tem muito a perder com a expulsão dos americanos. Primeiro, porque nem todos os iraquianos, inclusive entre os políticos, se sentem atraídos pela ideia de ver o Irã ampliar sua influência no país. Dos 328 integrantes do parlamento iraquiano, apenas 170 participaram da votação que exigiu a expulsão das tropas americanas. Os outros são, em grande parte, parlamentares sunitas e curdos. Esses números expressam a divisão que há na sociedade iraquiana quanto às intenções do Irã. Ainda que o voto dado pelo parlamento neste domingo seja pela expulsão de qualquer força estrangeira no país, no momento em que sentirem que podem estar tendo que escolher entre Irã e Estados Unidos, muitos vão preferir os americanos. Segundo, porque o governo iraquiano precisa dos americanos para garantir a segurança ou, no mínimo, evitar que o país volte a despencar no caos das disputas sectárias ou do retorno do Estado Islâmico. O país já pediu para os americanos saírem antes e o resultado não foi bom: o exército fundamentalista chegou perto de conquistar Bagdá. Terceiro, o Iraque depende financeiramente dos Estados Unidos. Apenas em 2016 e 2017, o país recebeu 9 bilhões de dólares em ajuda dos americanos. Trocar isso por sanções, como ameaçou Trump, seria um péssimo negócio.
- Estados Unidos — O aumento da influência iraniana no Iraque em si já seria uma derrota dos americanos para os aiatolás. Mais do que isso, deixaria os iranianos livres para efetivamente controlar um território que faz fronteira com a Arábia Saudita, principal país árabe aliado dos americanos e maior produtor de petróleo do mundo. Os sauditas acusam o Irã de ter bombardeado instalações petrolíferas em seu território no ano passado. É de se imaginar o que os aiatolás poderiam fazer se suas forças especiais estivessem livres para agir dentro do Iraque. Os Estados Unidos também perderiam muitos dos recursos para angariar informações sobre a ameaça de grupos terroristas e do Irã. Ou seja, o trabalho das agências de inteligência americanas ficaria seriamente prejudicado. Além disso, os Estados Unidos acabaram de reduzir sua atuação militar da Síria e a presença no Iraque era estratégica para essa mudança. Sair do Iraque significaria ter que rever toda a operação americana na Síria.
- Rússia e China — Ambos os países criticaram o assassinato de Soleimani em bombardeio realizado por um drone americano. A consequente saída americana do Iraque confirmaria algo que a Rússia já vem prevendo há algum tempo, que é a retração da influência dos Estados Unidos no Oriente Médio. Os russos já fincaram um pé com firmeza no conflito sírio e podem expandir seu bedelho para outros países da região. Já os chineses estão há anos atuando silenciosamente, sem alarde, para tirar proveito comercial e político dessa retração. Ambos os países tentam se apresentar para os países da região como aliados mais confiáveis do que os americanos.
Não é um momento fácil para os Estados Unidos, mas obedecer à exigência de retirar as tropas do Iraque não é a decisão que melhor atende os interesses americanos na região. Em última instância, pode ajudar a acelerar o declínio do poder americano — aparentemente inevitável no longo prazo.
(Este post foi atualizado às 19h23 do dia 06/01/2020.)
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