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Diogo Schelp

Durante crise amazônica, notícias negativas preocuparam embaixada em Berlim

Diogo Schelp

11/02/2020 04h07

Bolsonaro

O presidente Jair Bolsonaro em discurso na ONU, em setembro de 2019 (Foto: Johannes Eisele/AFP)

No final de setembro e em outubro de 2019, o monitoramento da imprensa alemã realizado pela embaixada brasileira em Berlim concluiu que as notícias negativas sobre o Brasil superavam largamente os conteúdos positivos ou neutros. Naquele momento, vivia-se o rescaldo do auge da crise de imagem do país causado pelas queimadas na Amazônia, pela troca de farpas entre Jair Bolsonaro e líderes europeus, pelo cancelamento de doações da Alemanha e da Noruega para programas de preservação e pelas declarações sobre meio ambiente feitas poucos dias antes pelo presidente na abertura da Assembleia Geral da ONU.

Segundo telegrama diplomático enviado da embaixada em Berlim para Brasília em 11 de outubro, entre os dias 2 e 8 daquele mês o "Brasil foi objeto de 28 matérias, das quais 6 (21,43%) foram neutras e 22 (78,57%) foram negativas". Ou seja, a embaixada não encontrou um único artigo sequer com menções positivas ao Brasil no período.

O documento encontra-se disponível no Portal da Transparência do governo federal.

A correspondência, assinada pelo embaixador Roberto Jaguaribe, contém uma análise detalhada e objetiva dos temas prevalentes na imprensa escrita alemã sobre o Brasil e revela o esforço dos funcionários que estão na linha de frente da diplomacia brasileira em quantificar e relatar o impacto que a postura do governo Bolsonaro diante da questão ambiental provoca em temas de interesse nacional, como a continuidade do acordo entre Mercosul e União Europeia e as exportações agropecuárias

"A temática das notícias mantém-se concentrada na Amazônia, objeto de 71,43% dos textos, consistente com o observado na semana anterior, quando a participação do tema foi de 68,75% das matérias analisadas", afirma o telegrama.

No dia 25 de outubro, a embaixada brasileira em Berlim enviou novo telegrama com um balanço do noticiário alemão. Dessa vez, concluiu que, entre os dias 16 e 22 do mesmo mês, "o Brasil foi objeto de 28 matérias, das quais cinco (18%) foram positivas, treze (46%) foram neutras e dez (36%) foram negativas".

A queda na proporção de notícias negativas, no entanto, não indicava uma melhora na imagem do Brasil na questão ambiental. Ironicamente, todos os artigos positivos tratavam de assuntos culturais, com predomínio das "notícias sobre a concessão do Prêmio da Paz do Comércio Livreiro Alemão ao fotógrafo Sebastião Salgado".

Sebastião Salgado sempre foi crítico de Jair Bolsonaro e é um dos signatários da carta contra o governo brasileiro que foi publicada na última sexta-feira (7) no jornal britânico The Guardian.

O fator Tereza Cristina

O telegrama do dia 11 de outubro destaca as notícias sobre a visita de Tereza Cristina, ministra da Agricultura do Brasil, à Alemanha e o seu encontro com a ministra alemã para a mesma pasta, Julia Klöckner. O jornal Frankfurter Allgemeine Zeitung, observa o embaixador Jaguaribe na correspondência, citou uma afirmação de Klöckner de que "a Alemanha não poderia importar bens 'para que grandes áreas da Amazônia sejam queimadas' e que 'aqueles que desejam exportar com sucesso para o mercado europeu a longo prazo devem levar em conta essas expectativas crescentes do consumidor"'.

O encontro entre Tereza Cristina e Julia Klöckner, ao contrário do que fez parecer o jornal alemão, não foi infrutífero. No mês passado, as duas se encontraram novamente, dessa vez em um fórum de alimentação em Berlim, e assinaram um acordo de cooperação técnica na área agrícola entre os dois países que prevê troca de informações e financiamento rural.

A ministra Tereza Cristina foi uma das integrantes do governo Bolsonaro que mais atuaram nos bastidores para conter os danos de imagem para o país causados pela crise das queimadas e pelas declarações do presidente sobre a Amazônia.

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Sobre o Autor

Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto, com André Liohn) e “No Teto do Mundo” (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).

Sobre o Blog

“O que mantém a humanidade viva?”, perguntava-se o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Essa é a pergunta que motiva esse blog a desembaraçar o noticiário internacional – e o nacional, também, quando for pertinente – e a lançar luz sobre fatos e conexões que não receberam a atenção devida. Esse é um blog que quer surpreender, escrito por alguém que gosta de ser surpreendido.