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Diogo Schelp

Convocar as massas contra instituições é uma tática chavista

Diogo Schelp

26/02/2020 11h21

Hugo Chávez

O presidente venezuelano Hugo Chávez, falecido em 2013 (Foto: Ariana Cubillos/AP)

O presidente Jair Bolsonaro diz que não está incentivando as manifestações marcadas para o dia 15 de março em apoio ao seu governo e contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF), apesar de ter compartilhado um vídeo de convocação aos atos. Nem precisaria fazê-lo diretamente, já que diversos de seus aliados políticos mais leais estão se encarregando de levar o maior número possível de pessoas às ruas. Ou alguém pensa que a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), por exemplo, apoiaria a manifestação sem o aval do presidente?

As lideranças bolsonaristas estão trabalhando para que os atos de apoio a Bolsonaro e contra os poderes Judiciário e Legislativo sejam um sucesso e funcionem como uma demonstração de força para o presidente — na esteira de uma disputa com o Congresso a respeito da distribuição de recursos do orçamento.

Ironicamente, convocar as massas em momentos de fragilidade política ou de confronto com outras instituições foi uma tática consagrada pelo presidente venezuelano Hugo Chávez (1998-2013) e perpetuada por seu sucessor, Nicolás Maduro. É irônico porque os bolsonaristas vivem dizendo que não querem que o Brasil se transforme numa Venezuela.

Um exemplo de como Chávez usou essa tática foi a campanha para o referendo constitucional de 2007, que mudaria as regras da Carta Magna venezuelana para dar mais poderes ao presidente e permitir a reeleição indefinida.

Chávez foi surpreendido com uma forte reação espontânea das ruas contra o seu projeto de se perpetuar no poder. Diante de manifestações contrárias ao referendo, ele convocou grandes atos de apoio. Para garantir o número, ele obrigava todos os funcionários públicos a comparecer, vestidos de vermelho. Os chefes de repartições tinham listas e conferiam se os subordinados estavam nas ruas apoiando o chefe. Quem não estivesse lá corria o risco de ser demitido.

Chávez, no entanto, foi derrotado no referendo. Fez menção de desrespeitar o resultado, mas voltou atrás quando ficou claro que isso iria incendiar as ruas contra o seu governo.

Acabou aprovando as mudanças que lhe davam mais poder aos poucos, sempre conclamando os apoiadores mais fieis, as massas que dependiam de seus programas assistencialistas e o funcionalismo resignado para demonstrar força diante de uma oposição popular espontânea cada vez mais vigorosa.

Maduro, por sua vez, recorreu à militância, a manifestantes que comparecem por um prato de comida e a gangues motorizadas para fazer volume em atos contrários à Assembleia Nacional, dominada pela oposição (e que atualmente está despida de funções práticas por determinação judicial).

O que une o bolsonarismo e o chavismo na tática de recorrer às massas no confronto com outras instituições da república é o populismo, esse estilo de governar que tenta criar um clima maniqueísta que opõe o "povo" contra as "elites" ou contra o establishment político.

Populismo não é a mesma coisa que popular. O primeiro invariavelmente leva ao autoritarismo. O segundo, por sua vez, é perfeitamente compatível com um sistema democrático.

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Sobre o Autor

Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto, com André Liohn) e “No Teto do Mundo” (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).

Sobre o Blog

“O que mantém a humanidade viva?”, perguntava-se o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Essa é a pergunta que motiva esse blog a desembaraçar o noticiário internacional – e o nacional, também, quando for pertinente – e a lançar luz sobre fatos e conexões que não receberam a atenção devida. Esse é um blog que quer surpreender, escrito por alguém que gosta de ser surpreendido.