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Diogo Schelp

Bolsonaro teme que protestos esvaziados sejam vistos como sinal de fraqueza

Diogo Schelp

09/03/2020 09h53

Bolsonaro

O presidente Jair Bolsonaro (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress)

Dias depois de negar que tenha feito qualquer coisa para incentivar protestos convocados para o próximo dia 15, de apoio ao governo e contra o Congresso Nacional, o presidente Jair Bolsonaro incentivou abertamente os protestos convocados para o dia 15. Qual a lógica disso? Bolsonaro mudou de ideia?

A lógica é que a convocação para as manifestações em apoio a ele perdeu força com o acordo que o governo se viu obrigado a negociar com o Congresso, na semana passada, para resolver o impasse dos vetos presidenciais à lei orçamentária aprovada no ano passado.

Ao tentar resolver a crise com política, assumindo compromissos e tentando encontrar um meio termo com o Congresso, Bolsonaro passou a mensagem aos líderes do parlamento de que havia desistido da ideia de atiçar as ruas. A declaração feita pelo presidente no sábado (7) soou, para eles, como uma traição.

O risco de que no dia 15 de março apareça apenas meia dúzia de gastos pingados nos protestos pró-Bolsonaro é assustador do ponto de vista do presidente, pois, se isso acontecer, poderá ser interpretado como uma comprovação de sua debilidade política e sua baixa popularidade. Ou pior: de que até sua militância mais empedernida está perdendo vigor.

O temor de que atos contrários ao presidente, como os associados ao Dia da Mulher que ocorreram neste domingo (8), sejam maiores do que os do dia 15 é razão suficiente para o presidente tomar coragem para convocar abertamente a militância para as ruas. Mesmo que isso signifique escancarar o fato de que ele estava mentindo quando negou que suas mensagens de WhatsApp fossem exatamente isso: uma convocação.

Recapitulando: no mês passado, o general Augusto Heleno disse, em um comentário de bastidores que foi captado por uma transmissão ao vivo na internet, que os parlamentares fazem chantagem ao ameaçar derrubar os vetos do presidente à lei do orçamento impositivo — a qual, na realidade, a própria base governista havia ajudado a aprovar.

Depois, veio à tona que o presidente havia compartilhado os tais vídeos de convocação aos protestos em apoio a ele e contra o Congresso "chantagista". Lideranças do Legislativo e do Judiciário alertaram para o desrespeito ao equilíbrio entre os poderes. Bolsonaro tratou de minimizar o significado do seu gesto, com o temor de que o Congresso responderia com pautas-bombas, que elevam o gasto público, ou cruzando os braços para reformas econômicas.

(De fato, já há resistências às Propostas de Emenda Constitucional (PECs) que o ministro da Economia Paulo Guedes enviou para apreciação dos senadores e que são necessárias para conter os gastos da União.)

A crise com o Congresso levou o governo a fazer, na semana passada, um novo acordo sobre os vetos, em especial um deles, referente aos recursos que podem ser destinados pelo relator do orçamento na Câmara dos Deputados.

Enfim, em vez do confronto com os parlamentares que a militância bolsonarista deseja, o governo teve que fazer política.

Bolsonaro tentou dizer que não havia negociação para encontrar um meio termo que agradasse ao Congresso, dividindo os recurso do relator entre governo e o Congresso. A ideia de que ele estava cedendo não pegou bem junto à base bolsonarista. Residia aí o risco de enfraquecimento dos protestos de 15 de março.

Se o governo já havia se acertado com o Congresso, para quê sair às ruas?

A declaração de Bolsonaro é uma tentativa de energizar as massas e virar o jogo.

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Sobre o Autor

Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto, com André Liohn) e “No Teto do Mundo” (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).

Sobre o Blog

“O que mantém a humanidade viva?”, perguntava-se o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Essa é a pergunta que motiva esse blog a desembaraçar o noticiário internacional – e o nacional, também, quando for pertinente – e a lançar luz sobre fatos e conexões que não receberam a atenção devida. Esse é um blog que quer surpreender, escrito por alguém que gosta de ser surpreendido.