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Diogo Schelp

Coronavírus: o que a direita responsável tem a ensinar a Jair Bolsonaro

Diogo Schelp

16/03/2020 10h44

Bolsonaro

O presidente Jair Bolsonaro cumprimenta apoiadores em frente ao Palácio do Planalto, em Brasília, durante manifestação pró-governo (Foto: Sergio Lima/AFP)

Houve um momento, há pouco mais de duas semanas, quando os mercados já haviam dado sinais de que entariam em uma longa espiral de pânico e os primeiros casos de transmissão local do covid-19 eram confirmados, em que parecia que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) havia entendido a gravidade da situação e qual era o seu papel para enfrentá-la. "A melhor maneira de você evitar o problema é não entrar em pânico e seguir as orientações", disse Bolsonaro no dia 6 de março. E depois, no mesmo dia, em rede nacional de TV: "O momento é de união. Ainda que o problema possa se agravar, não há momento para pânico."

Já ficou mais do que claro, desde então, que o primeiro a descumprir essas palavras foi o próprio presidente Bolsonaro. Ignorando o fato de que "o problema pode se agravar", ele tratou de não "seguir as orientações" (apresentadas pelo Ministério da Saúde e por sua própria equipe médica) e decidiu prestigiar, de corpo presente, a manifestação em Brasília convocada para apoiá-lo e para pedir o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF).

Sim, é isso mesmo, uma manifestação com agenda golpista. Em uma das fotos feitas pela imprensa — ah, que crime, sempre a imprensa retratando a realidade —, Bolsonaro aparece extasiado diante de um cartaz de um manifestante que anuncia: "Foda-se. Apoio: Fechar Congresso já. Fechar STF já. Voto impresso já."

Ou seja, além de descumprir as recomendações médicas e de ordem sanitária de seu próprio governo (segundo levantamento do jornal O Estado de S. Paulo, o presidente teve contato físico com 272 manifestantes), Bolsonaro foi na contramão do seu discurso de união de dias antes, escolhendo endossar uma pauta que apenas um punhado de seus apoiadores mais radicais defende.

Reação responsável

Por sorte, como ficou demonstrado pela reação de diferentes lideranças políticas, a direita que desafia uma pandemia para pedir intervenção militar não passa de um anacronismo. Ao apoiar-se nessa ala radical, de ideias mofadas, como se fosse o que lhe resta de capital político, o presidente se isola cada vez mais — e distancia-se da direita responsável.

Entre os integrantes da direita que assumiram uma postura responsável neste 15 de março está o governador de Goiás, Ronaldo Caiado. Ele tentou dispersar uma manifestação em Goiânia com o argumento de que, como médico (ortopedista), ele precisava zelar pela saúde pública e considerava uma irresponsabilidade permitir aglomerações em meio a uma pandemia. Foi vaiado.

Caiado — que pertence ao DEM, antigo PFL, um dos partidos herdeiros da Arena, agremiação que deu sustentação à ditadura militar — é aliado político de primeira hora de Bolsonaro e deixou claro que apoia as manifestações. Mas não agora. "Não posso aceitar chantagem se vão votar em mim ou não no meio de uma pandemia do coronavírus. Eu tenho que salvar vidas", disse Caiado posteriormente.

A primeira lição da direita responsável para o presidente Jair Bolsonaro é esta: em uma pandemia, interesses eleitorais devem ficar em segundo plano.

Outro integrante da direita que considera que a prioridade é salvar vidas é o ministro da Saúde de Bolsonaro, Luiz Henrique Mandetta. O ministro, que também é médico ortopedista e foi deputado federal pelo DEM, comentou a participação de seu chefe nas manifestações com as seguintes palavras, em entrevista à Folha de S.Paulo: "Todo mundo tem que fazer sua parte. Quem não está em transmissão sustentada hoje, daqui a uma semana pode estar, daqui a duas vai estar. Quanto mais rápido tiver transmissão, maior vai ser a necessidade de determinação de paralisação. Então eu vejo isso geral, tanto as pessoas que resolveram fazer… É ilegal? Não. Mas a orientação é não. E continua sendo não para todo mundo."

Eis a segunda lição da direita responsável para Bolsonaro: em uma pandemia, ninguém está acima das recomendações das autoridades de saúde.

As reações mais fortes à participação de Bolsonaro em ato pró-Bolsonaro vieram, como era de se esperar, dos presidentes da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre, ambos do DEM. Maia, um dos alvos da fúria dos manifestantes, lembrou que o presidente deveria estar sentado em um gabinete discutindo medidas contra a dupla crise de saúde pública e econômica que se abateu sobre o país. "Mas, pelo visto, ele está mais preocupado em assistir às manifestações que atentam contra as instituições e a saúde da população", escreveu Maia nas redes sociais.

Alcolumbre afirmou em nota: "A gravidade da pandemia exige de todos os brasileiros, e inclusive do presidente da República, responsabilidade!" No Twitter, escreveu: "Convidar para ato contra os Poderes é confrontar a Democracia." Ou seja, ao dar o mau exemplo e desrespeitar as orientações do próprio governo, Bolsonaro atuou de forma autoritária contra os interesses nacionais e contra a democracia.

A lição dos dois integrantes da direita que lideram o Congresso Nacional para o presidente Bolsonaro é: em uma pandemia, as tensões políticas devem ser deixadas de lado pelo bem da nação.

Reação semelhante foi replicada pelo partido Novo, em sua conta no Twitter: "Neste momento, precisamos de responsabilidade de todos, especialmente do Chefe de Estado". Já o PSL, partido que mantém entre seus filiados apoiadores de Bolsonaro, inclusive parlamentares, alguns dos quais incentivaram as manifestações, omitiu-se diante da irresponsabilidade do presidente.

Já passou da hora de deixar diferenças partidárias de lado e entender que o coronavírus é um inimigo comum a todos os brasileiros. O capitão Bolsonaro deveria ser o primeiro a montar guarda contra ele. Em vez disso, sabota os esforços para combatê-lo.

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Sobre o Autor

Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto, com André Liohn) e “No Teto do Mundo” (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).

Sobre o Blog

“O que mantém a humanidade viva?”, perguntava-se o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Essa é a pergunta que motiva esse blog a desembaraçar o noticiário internacional – e o nacional, também, quando for pertinente – e a lançar luz sobre fatos e conexões que não receberam a atenção devida. Esse é um blog que quer surpreender, escrito por alguém que gosta de ser surpreendido.