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Diogo Schelp

Presidente da corte suprema preocupado com a honra é normal (na Venezuela)

Diogo Schelp

18/04/2019 16h17

Dias Toffoli

O ministro Dias Toffoli (Foto: FÁTIMA MEIRA/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO)

Ao ler as justificativas dadas por José Antonio Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), para a censura imposta pela corte ao site O Antagonista e à revista digital Crusoé, me senti na Venezuela. Lá, também, a honra de juízes e altos funcionários públicos serve de desculpa para amordaçar o povo e para impedir a imprensa de cumprir seu papel de informar. A diferença é que na Venezuela, o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), o STF deles, é submisso ao Poder Executivo. Aqui, alguns ministros do STF estão agindo basicamente em causa própria, como se vivessem no Olimpo e estivessem acima do bem e do mal. Esquecem-se que, antes de tudo, são cidadãos como todos os outros. E que receber críticas ou ter suas ações investigadas não tem nada a ver com ódio. Tem a ver com democracia.

Mas voltando à Venezuela. Quando soube da decisão do ministro Alexandre de Moraes, impedindo a Crusoé e o Antagonista de divulgar reportagem sobre acusações feitas por Marcelo Odebrecht contra Dias Toffoli, lembrei logo de um episódio ocorrido em 2011 na Venezuela de Hugo Chávez. Em agosto daquele ano, o periódico semanal 6º Poder publicou um artigo satírico ilustrado por uma charge que retratava seis funcionárias com altos cargos na burocracia estatal como se fossem dançarinas em um cabaré chamado "A Revolução", dirigido, claro, por Chávez. Entre as mulheres que apareciam na montagem estava Luisa Estela Morales, presidente do TSJ. Em questão de horas, a diretora do jornal, Dinora Girón, e o dono da publicação, Leocenis García, tiveram suas prisões decretadas por um juiz de primeira instância, atendendo a um pedido vindo de cima, por "instigação ao ódio". Sim, "ódio", a mesma expressão usada por Toffoli para se referir à reportagem que revela suspeitas constrangedoras contra ele.

O periódico foi impedido de circular. Girón foi presa no dia seguinte. García se entregou uma semana depois. O jornal foi proibido de publicar reportagens que "ferissem a honra de representantes do poder público". Sim, a "honra", citada também por Moraes em sua decisão que violou a Constituição.

Antes da prisão dos jornalistas, a presidente do TSJ Luisa Estela Morales havia dito que a montagem era uma "ofensa à dignidade e ao desempenho profissional das mulheres com cargos no poder público". Curioso que, quando se trata de defender a própria dignidade, os ministros brasileiros, a exemplo dos juízes chavistas, o façam com uma celeridade que não apresentam em outros casos.

Sobre o Autor

Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto, com André Liohn) e “No Teto do Mundo” (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).

Sobre o Blog

“O que mantém a humanidade viva?”, perguntava-se o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Essa é a pergunta que motiva esse blog a desembaraçar o noticiário internacional – e o nacional, também, quando for pertinente – e a lançar luz sobre fatos e conexões que não receberam a atenção devida. Esse é um blog que quer surpreender, escrito por alguém que gosta de ser surpreendido.