Topo

Diogo Schelp

Banda Dead Kennedys faz bem em não querer dar uma de Roger Waters

Diogo Schelp

24/04/2019 11h04

Roger Waters e Cristina Kirchner

Roger Waters com Cristina Kirchner, em 2012, na Casa Rosada (Foto: AP)

A banda punk Dead Kennedys tem todo o direito de tomar partido no cenário político brasileiro. E tem todo o direito, também, de não querer tomar partido. O grupo californiano, contudo, está sendo massacrado nas redes sociais por ter desautorizado um pôster que estava sendo usado pela produção local para divulgar seus shows no Brasil. Os integrantes da banda (que há tempos não conta mais com seu principal nome, o vocalista Jello Biafra) estão sendo chamados pelos brasileiros de "arregões", "frouxos", "punks castrados", "mixurucas", "bundas-moles" etc.

O designer do pôster diz que a banda havia aprovado o material e só voltou atrás com medo da repercussão. Ora, é preciso reconhecer que dificilmente os americanos teriam subsídios para compreender a mensagem contida no pôster, que mostra uma família de palhaços armados e vestidos com a camisa da seleção brasileira com uma favela em chamas ao fundo e tanques de guerra cuspindo bandeirinhas com cifrões. É tanto chavão junto que dá até preguiça. Mas vamos lá. O ponto central é que, à primeira vista, o pôster é coerente com a pegada da banda de se opor a atitudes fascistas e ao militarismo. E, se tivesse sido divulgado para uma turnê nos Estados Unidos ou na Europa, a família de palhaços daria o toque farsesco que confirmaria que a ilustração é uma crítica, não uma apologia aos tanques e às armas.

Pôster Dead Kennedys

(Imagem: Divulgação)

Mas nós todos sabemos o que a maquiagem de Bozo e as camisas da Seleção representam. Seria esperar demais, porém, que os integrantes do Dead Kennedys soubessem que se trata de uma referência aos apoiadores do governo Bolsonaro. Vale a pena se colocar no lugar da banda e imaginar as dúvidas que a repercussão do pôster suscitaram: quem são essas pessoas que estamos criticando ou, pior, chamando de assassinas? É essa a mensagem que queremos passar? Temos informações suficientes para tomar uma posição? Queremos dar uma de Roger Waters?

Cito Roger Waters, ex-Pink Floyd, não apenas pelo show que fez no Brasil no ano passado, em meio à campanha presidencial. Na ocasião, Waters fez críticas explícitas ao então candidato Jair Bolsonaro. Mas isso é bem diferente de chamar seus eleitores de assassinos. Cito Waters porque ele representa aquele tipo de roqueiro que abraça qualquer causa (que lhe parece) de esquerda que surge na sua frente, mesmo quando não sabe muito a respeito. E que, quando se trata de garantir o seu rico dinheirinho, não se furta de bajular governantes.

Em 2012, por exemplo, o britânico Waters fez uma visita à então presidente argentina Cristina Kirchner em meio a duas polêmicas. A primeira foi uma declaração que Waters fez defendendo a soberania argentina sobre as Ilhas Malvinas, que na realidade pertencem ao Reino Unido e são habitadas por cidadãos britânicos. A segunda era a suspeita de que Waters estava tendo dificuldade em botar as mãos no cachê do show que faria em Buenos Aires por causa do rígido controle cambiário que vigorava no país. Um jornal de economia argentino noticiou que Waters ia se encontrar com Cristina Kirchner para pedir que ela aliviasse a regra, só para ele poder levar seus milhões de dólares para casa. O governo argentino negou que Waters tenha feito esse pedido.

De qualquer forma, é sempre arriscado para um artista estrangeiro se envolver com a política de outros países. É preciso estar muito bem informado para não fazer bobagem. A banda Dead Kennedys não é menos punk só porque não se sentiu apta a tomar partido.

Sobre o Autor

Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto, com André Liohn) e “No Teto do Mundo” (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).

Sobre o Blog

“O que mantém a humanidade viva?”, perguntava-se o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Essa é a pergunta que motiva esse blog a desembaraçar o noticiário internacional – e o nacional, também, quando for pertinente – e a lançar luz sobre fatos e conexões que não receberam a atenção devida. Esse é um blog que quer surpreender, escrito por alguém que gosta de ser surpreendido.