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Diogo Schelp

País que não investe em humanas nunca terá Nobel de Física, Medicina...

Diogo Schelp

26/04/2019 15h12

Ministro

Novo ministro da Educação, Abraham Weintraub (Foto: Rafael Carvalho/Divulgação Casa Civil)

O presidente Jair Bolsonaro anunciou hoje que o governo planeja reduzir investimento em faculdades de ciências humanas, como filosofia e sociologia, para focar naquilo que gera "retorno imediato para o contribuinte", como medicina e engenharia. Se fizer isso, Bolsonaro vai colocar o Brasil na contramão da ciência mundial. Para usar uma metáfora que apreciadores de armas entendem, o tiro vai sair pela culatra (será esse o "retorno imediato" de que ele falou?).

Bolsonaro e seu ministro da Educação, Abraham Weintraub, parecem achar que acadêmicos de filosofia e sociologia são seres inúteis que ficam discorrendo sobre coisas sem sentido ou planejando alguma revolução. Deveriam saber, no entanto, que os estudos mais avançados da ciência mundial da atualidade dependem em boa parte da compreensão do comportamento humano. HUMANO! Não se obtêm avanços em Inteligência Artificial, por exemplo, sem a colaboração da filosofia e da sociologia. Uma das áreas com grande aplicação no mercado, atualmente, é a de comportamento de consumidor, que depende do estudo da relação das pessoas com o ambiente e com as experiências que vivem. O mundo inteiro está estudando como as máquinas podem desenvolver tarefas e habilidades antes restritas aos seres humanos. Bolsonaro e Weintraub querem que os engenheiros brasileiros construam robôs sem os conhecimentos da filosofia e da sociologia? Impossível.

Nos Estados Unidos, a interdisciplinaridade é regra em qualquer universidade que queira estar entre as top 10 em exatas ou biológicas. A filosofia, por exemplo, oferece método, oferece interpretação e oferece conceitos. Como estudar física quântica sem método, interpretação ou conceitos? Além disso, filosofia ensina a pensar. Boa sorte em tentar fazer ciência sem pensar.

Na medicina, a bioética é uma área cada vez mais requisitada para ajudar os pesquisadores a lidar com o impacto humano das possibilidades incríveis que a tecnologia cria. Não existe estudo da ética médica sem filosofia e sociologia. Boa sorte em tentar desenvolver estudos com células-tronco, por exemplo, sem dar aos pesquisadores ferramentas da filosofia e da sociologia. Ou então abra um hospital e tente fazê-lo funcionar sem assistentes sociais, psicólogos e comunicadores.

Em 2017, os vencedores do Nobel de Medicina foram reconhecidos por suas descobertas a respeito do nosso "relógio biológico", um fenômeno com implicações evidentes no comportamento humano. Estudos como esses criam estradas de mão dupla entre as ciências biológicas e as ciências humanas: uma se beneficia da outra. Uma não existe sem a outra.

Bolsonaro disse que quer gerar renda para as pessoas. Ele poderia perguntar, então, às empresas que sabem gerar renda o que acham dessas áreas do conhecimento que ele quer relegar às faculdades privadas. A resposta: essas áreas são essenciais. As maiores companhias de tecnologia do mundo estão contratando o quê? Sociólogos. Ontem mesmo a sede do Google na Califórnia abriu duas vagas.

Os exemplos são infinitos. Uma coisa é certa. Ciência que não compreende emoção, sensibilidade e comportamento humano ou que não procura entender o seu papel na comunidade é uma ciência capenga.

Investir em uma ciência sem humanas é investir no atraso.

 

Sobre o Autor

Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto, com André Liohn) e “No Teto do Mundo” (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).

Sobre o Blog

“O que mantém a humanidade viva?”, perguntava-se o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Essa é a pergunta que motiva esse blog a desembaraçar o noticiário internacional – e o nacional, também, quando for pertinente – e a lançar luz sobre fatos e conexões que não receberam a atenção devida. Esse é um blog que quer surpreender, escrito por alguém que gosta de ser surpreendido.