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Diogo Schelp

Princesa Aiko não é sucessora, mas 8 mulheres já ocuparam o trono no Japão

Diogo Schelp

30/04/2019 04h06

Princesa Aiko

A princesa Aiko, cinco dias antes de fazer 17 anos (Foto: Imperial Household Agency of Japan via AP)

A abdicação do imperador Akihito, do Japão, em favor de seu filho Naruhito reavivou o debate sobre as regras de sucessão ao Trono de Crisântemo. Naruhito e sua esposa, a princesa Masako, têm uma filha única, Aiko, de 17 anos. Pelas regras atuais, porém, ela jamais poderá se tornar a monarca. Apenas homens descendentes de um imperador pelo lado paterno podem ascender ao trono.

A lei que impede as mulheres de reinar foi promulgada há 130 anos. Numa monarquia cujas origens datam de cerca de 2700 anos atrás, uma regra de pouco mais de 100 anos mal merece ser chamada de tradição. Durante um período maior do que esse, de 178 anos, entre 592 e 770 d.C., o Japão teve seis imperatrizes que governaram em metade dos dezesseis reinados — duas delas ocuparam o trono duas vezes cada uma. E elas de fato governaram, enquanto hoje o imperador, como chefe de Estado, tem uma função simbólica, sem influência sobre a política.

Muitas das monarcas japonesas eram imperatrizes consortes (mulheres do imperador) que assumiram o trono ao ficarem viúvas. A primeira imperatriz regente do Japão de que se tem registro histórico confiável foi Suiko, que ocupou o trono de 592 a 628 d.C. Suiko era a filha mais nova do imperador Kimmei (539-571), mulher do imperador Bidatsu (572–585) e irmã do imperador Yomei (585-587). Aos 18 anos, ela já era ativa politicamente. Depois do assassinato do imperador Sushun (587-592), Suiko foi entronizada pelo chefe do clã que ordenou o crime para guardar lugar para o seu sobrinho. Mas o príncipe morreu sete anos antes da tia e ela não nomeou ninguém para sucedê-la — o que pode ser um indício de que ela não estava apenas guardando lugar. Além disso, a corte viveu um período de grande turbulência por causa dessa omissão. Tentou-se escolher um sucessor que teria sido do agrado dela: o imperador Jomei (629-641).

Quando ele morreu, assumiu em seu lugar sua viúva, a imperatriz Kōgyoku (642-645). Pouco ativa politicamente, ela funcionava mais como uma guia espiritual e abdicou em favor do irmão, o imperador Kōtoku (645-654). Ela voltou ao trono aos 60 anos com um novo nome, imperatriz Saimei (655-661), para garantir o lugar do filho Naka no Oe, que foi quem passou a reinar de fato. Kōgyoku, portanto, agiu como uma monarca tampão nas duas vezes em que ocupou o trono.

Status bastante diferente teve a imperatriz Jitō (690-697). Ela se tornou consorte aos 29 anos do imperador Temmu, que dava a ela um papel de relevo nos assuntos burocráticos e até militares. Durante catorze anos, ele deixou vago o cargo que seria equivalente hoje ao de primeiro-ministro, apenas para dar espaço para que ela pudesse ajudá-lo a reinar. Em 681, os dois anunciaram — sentados no mesmo assento, para demonstrar a igualdade de status — o início da produção de um novo corpo de leis. Temmu determinou que Jitō e o filho deveriam ser os detentores do poder após sua morte.

Quando Temmu morreu, Jitō não reinvindicou o trono imediatamente, mas seguiu governando. Um ano após a morte prematura do seu filho e príncipe herdeiro, aos 28 anos, Jitō enfim assumiu formalmente o trono. Ela abdicou sete anos depois em favor do neto Mommu (697–707) e continuou influente na política. Jitō morreu em 702 e Mommu, em 707. Por causa da prática da nobreza de manter tudo em família, a princesa Abe, mãe do imperador Mommu, era, além de nora, também meia-irmã de Jitō. Abe seguiu os passos da sogra/meia-irmã e fez-se nomear imperatriz, sucedendo o filho e adotando o nome Gemmei (707-715), com o objetivo de assegurar o trono para o neto Obito.

Agora é que fica bom. Quando abdicou, em 715, Gemmei colocou em seu lugar não o príncipe Obito, que já estava com 17 anos, mas sim a própria filha de 36 anos, que veio a se tornar a imperatriz Gensho (715-724). Ou seja, na prática, Gemmei subverteu a tradição e criou uma linhagem materna ao trono. Anos depois, porém, o príncipe Obito destronou Gensho com a ajuda do clã Fujiwara e tornou-se o imperador Shōmu (724-749).

Posteriormente, os Fujiwara, em uma disputa com os clãs de duas das mulheres de Shōmu, tratou de furar a linha de sucessão e conseguiu nomear uma princesa como herdeira direta do trono, a primeira na história do Japão, que veio a se tornar a imperatriz Kōken (749-758). Apesar de ter reinado por nove anos, Kōken não conseguiu fazer o sucessor e acabou abdicando em favor de um príncipe nomeado por um importante líder do seu clã. Mas sua história não acaba por aqui. Hábil articuladora política, Kōken fez uma série de intrigas palacianas, depôs o imperador e mandou matar o líder do clã que a havia desafiado. Depois, reassumiu o trono com o novo nome de Shōtoku (764-770).

Depois de Shōtoku, o período de ouro das imperatrizes japonesas se encerrou. Os historiadores dizem que isso aconteceu porque Shōtoku mantinha na corte um monge budista que exercia grande influência sobre ela. Suspeitava-se que ela queria fazer dele seu sucessor. Desde então, apenas duas outras mulheres ocuparam o Trono de Crisântemo, e ainda assim muito tempo depois: Meisho (1630-1643) e Go-Sakuramachi (1763-1770).

A história das imperatrizes japonesas mostra que as mulheres tiveram um papel nada desprezível na monarquia. A imperatriz Suiko, por exemplo, foi essencial para estabelecer o budismo como uma das principais religiões do país. Há também relatos de que a imperatriz Jitō ia pessoalmente aos campos de batalha para, com suas palavras, levantar o moral dos seus guerreiros. Nos dias de hoje, talvez ela dissesse: "Lute como uma garota".

 

(Uma versão anterior deste artigo continha erros de digitação nos nomes de Naruhito e Fujiwara.)

Sobre o Autor

Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto, com André Liohn) e “No Teto do Mundo” (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).

Sobre o Blog

“O que mantém a humanidade viva?”, perguntava-se o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Essa é a pergunta que motiva esse blog a desembaraçar o noticiário internacional – e o nacional, também, quando for pertinente – e a lançar luz sobre fatos e conexões que não receberam a atenção devida. Esse é um blog que quer surpreender, escrito por alguém que gosta de ser surpreendido.