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Diogo Schelp

Programa Mais Médicos não funciona numa democracia

Diogo Schelp

13/05/2019 17h51

Mais Médicos

Ambulância no povoado de Tingui, na Bahia (Adriano Vizoni/Folhapress)

O governo federal lançou, por meio do Ministério da Saúde, um novo edital para preencher cerca de 2.000 vagas no programa Mais Médicos, beneficiando 790 municípios. Mais uma vez, não poderá se inscrever a maioria dos cerca de 2.500 médicos cubanos que resolveram permanecer no Brasil depois que o governo de seu país abandonou o programa. O motivo é que eles não possuem diploma validado para o exercício da profissão no Brasil. Por isso, tentam se virar como podem em outras atividades, de motoristas de aplicativo a auxiliares administrativos nos antigos postos de saúde onde atuavam.

É justo que a eles seja dada a chance de serem reabsorvidos no mercado como médicos, o que deve ser feito por meio da prova do Revalida, que ocorre uma vez por ano. Em edições anteriores, os cubanos tiveram um índice de aprovação equivalente ao de brasileiros que estudaram medicina no exterior. Há quem diga que, se pudessem atuar no Mais Médicos mesmo sem o diploma validado, como ocorria no governo de Dilma Rousseff, os cubanos rapidamente preencheriam as cerca de 1.000 vagas ainda abertas no programa por desistências de médicos brasileiros. Duvido.

As vagas nos rincões mais isolados do país só eram preenchidas durante o governo Dilma porque os cubanos eram ilhas de ditadura em solo brasileiro. Ou seja, o acordo do governo brasileiro com Cuba, por intermédio da Opas, dependia do autoritarismo do governo comunista para funcionar. O regime cubano definia onde e por quanto tempo cada um de seus médicos deveria trabalhar, se na selva amazônica ou no sertão nordestino, e não havia discussão ou livre escolha. Da mesma forma como funciona em Cuba, onde os cidadãos não podem se mudar de cidade sem autorização do governo cubano.

É preciso se perguntar porque muitos médicos brasileiros desistem de ocupar seus postos no programa Mais Médicos. E a resposta é que não é só por causa da distância dos grandes centros urbanos. O principal fator de desestímulo é a falta de infraestrutura de saúde nos lugares mais abandonados do Brasil. Desconfio que os médicos cubanos, se e quando puderem voltar a atender a população, também vão preferir estabelecer-se em lugares onde possam exercer a medicina com dignidade e em boas condições de trabalho.

Quando se eliminou o fator autoritário do funcionamento do Mais Médicos e os profissionais passaram a poder escolher onde querem trabalhar, descobriu-se o que deveria ser óbvio desde o princípio: o problema da má distribuição dos serviços de saúde pública no Brasil precisa ser resolvido, antes de mais nada, com investimento sério em infraestrutura.

Sobre o Autor

Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto, com André Liohn) e “No Teto do Mundo” (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).

Sobre o Blog

“O que mantém a humanidade viva?”, perguntava-se o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Essa é a pergunta que motiva esse blog a desembaraçar o noticiário internacional – e o nacional, também, quando for pertinente – e a lançar luz sobre fatos e conexões que não receberam a atenção devida. Esse é um blog que quer surpreender, escrito por alguém que gosta de ser surpreendido.