Bolsonaro, Lula, Annan: pais poderosos devem saber o que filhos fazem

Flávio Bolsonaro, Luis Claudio Lula da Silva e Kojo Annan (Imagens: Reprodução/Instagram, vídeo e LinkedIn)
O ganense Kofi Annan, morto no ano passado, foi o último secretário-geral da ONU com verdadeira força política para encampar causas globais e negociar fins de conflitos. Seu sucessor, o coreano Ban Ki-moon, era criticado por sua falta de carisma, pelo apego a protocolos e pela relutância em criticar as grandes potências. O atual, o português António Guterres, enfrenta um cenário adverso para quem comanda a principal instituição multilateral do planeta: a ONU é hostilizada não apenas por Donald Trump, presidente do país que mais contribui financeiramente para a organização, mas também por outros governantes, incluindo o brasileiro Jair Bolsonaro. O obituário de Annan, à parte insucessos naturais ao longo da carreira de alguém que teve que encarar alguns dos maiores desafios da humanidade, seria praticamente sem máculas, não fosse a menção inevitável a um escândalo que envolveu seu filho Kojo Annan em 2004. Naquele ano, veio a público que Kojo recebeu, em 1998, pagamentos periódicos de uma empresa suíça contratada pela ONU para acompanhar o programa Petróleo por Alimentos, que permitia ao Iraque, então sob sanção internacional, importar alimentos e remédios. O programa era investigado por suspeita de corrupção da ordem de 20 bilhões de dólares.
Em 2016, o nome de Kojo Annan reapareceu no noticiário com a revelação dos Panama Papers, um conjunto de milhões de documentos de um escritório de advocacia panamenho que administrava milhares de empresas em paraísos fiscais. Kojo era sócio em três empresas offshore e usou uma delas para comprar um apartamento de meio milhão de dólares em Londres, no mesmo ano em que o escândalo do Petróleo por Alimentos foi revelado. Em 2016, o apartamento era avaliado pelo triplo do preço que havia sido pago por Kojo.
Um comitê de investigação absolveu Kofi Annan de qualquer envolvimento nos negócios do filho. Seus adversários até tentaram forçar sua renúncia, sem sucesso. Mas a mácula foi feita, e ele reconheceu isso. Annan se disse "muito surpreso e desapontado" com a revelação de que, mesmo depois de assumir o posto de chefe da ONU, o filho tenha continuado a receber os pagamentos, num claro conflito de interesses. "Eu não esperava que o relacionamento continuasse", disse Annan, referindo-se aos vínculos entre Kojo e a empresa suíça.
Filhos desapontam os pais com frequência (e a recíproca também é verdadeira), mas quem ocupa cargos públicos de relevo deveria ter uma atenção redobrada para saber com quem eles andam e como estão ganhando a vida. Se não o fazem, é mais do que justo que sejam questionados se um dos filhos se envolver em atividades suspeitas.
O tema é pertinente no momento em que o filho do presidente Jair Bolsonaro, o senador Flavio Bolsonaro, tem seu sigilo fiscal e bancário quebrado pela Justiça, e em que Luís Cláudio Lula da Silva, filho do ex-presidente Lula, é citado em delação premiada como beneficiário de propina paga por associação do setor aéreo, segundo a revista Crusoé. Em ambos os casos, a investigação não deveria se restringir aos filhos. Da mesma forma como se fez com Annan, é preciso apurar se os pais sabiam ou até participavam dos negócios escusos.
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