Greve e economia estagnada, enquanto Bolsonaro desperdiça tempo no Texas
"Sim, eu queria a Lua", diz Calígula na peça homônima de Albert Camus, parte do chamado "ciclo do absurdo" da obra do autor. O imperador romano Caio Júlio César Augusto Germânico (12-41 d.C.), o Calígula, foi um dos piores governantes da história da humanidade. Ele tinha muitos defeitos. Um dos piores era o excesso de vaidade, que o levava a cometer atos de horror inimagináveis. Ele queria a Lua, mas só obteve sangue.
Jair Bolsonaro iniciou ontem sua viagem à Lua, digo, a Dallas. O presidente foi buscar seu prêmio de Personalidade do Ano, concedido pela Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos. A cerimônia deveria ter acontecido em Nova York, mas sofreu boicote liderado pelo populista prefeito "democrata" da cidade, Bill de Blasio, que adora uma balbúrdia.
Alguns empresários pagaram 10.000 dólares para participar do jantar de gala e ter a chance de conversar com o presidente brasileiro. Tiveram de se contentar com Dias Toffoli, presidente do STF, e Davi Alcolumbre, presidente do Senado. Em Dallas, no Texas, não haverá muito o que fazer. Um almoço melancólico, alguns discursos e um encontro marcado às pressas com o ex-presidente George W. Bush. Tudo apenas para que Bolsonaro colete seu prêmio. Ele tem todo o direito de recebê-lo, mas isso só fazia sentido se fosse em Nova York, no evento principal da Câmara de Comércio. No Texas, é desperdício de tempo. Por pura vaidade.
Enquanto faz sua jornada para conquistar a Lua, Bolsonaro deixa para trás um país num momento crucial, um país com uma crise em gestação. Segundo o ministro da Economia, Paulo Guedes, o Brasil está à beira de um "abismo fiscal". O governo já fala em rever o crescimento do PIB este ano de 2% para 1,5%. Os eleitores de Bolsonaro depositaram nele a esperança da retomada econômica. Já estamos em maio, porém, e o futuro aponta para a estagnação.
A ala técnica do governo demonstra a necessidade de cortar despesas para enfrentar o vendaval, mas a ala olavista transforma medidas que se pretendem racionais em disputas ideológicas. No episódio do corte de verbas em sua pasta, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, age como se estivesse no octógono, a arena do MMA. Em vez de tentar comprovar a necessidade e a racionalidade do contingenciamento de recursos não obrigatórios (se é que há racionalidade neles), acusa as universidades de serem "torres de marfim" e de promoverem "balbúrdia".
Talvez sejam "torres de marfim", mas não é a hora de enfiar o dedo no olho. É hora de conversar, de explicar, de fazer diplomacia. Além disso, o ministro omite o fato de que os cortes no ensino básico foram maiores do que no ensino superior. Nesse ponto, a greve nacional pela educação não consiste, portanto, em proteger torres de marfim. Trata-se de defender uma das áreas que mais poderiam contribuir para o desenvolvimento do país: a educação, em todas as suas etapas. É possível usar melhor o dinheiro? Ótimo. Mostre-nos como, ministro, sem puxões de cabelo.
A greve de hoje deveria revelar ao governo como a população reage às suas políticas de maneira distinta, dependendo de como elas são apresentadas. A mobilização nacional havia sido organizada inicialmente como um protesto contra a reforma da Previdência — tema da seara de Paulo Guedes, que evita o discurso ideológico. A adesão prometia ser baixa. As pesquisas de opinião mostram que os brasileiros entendem a necessidade de alterar o sistema de aposentadorias, apesar do esforço pessoal que isso vai representar para cada um dos trabalhadores do país. O movimento para a greve só ganhou força quando a pauta principal passou a ser a de protestar contra os cortes em educação encampados por Weintraub — que defende suas medidas com tiradas ideologizadas e explicações atabalhoadas feitas com barrinhas de chocolate. Depois se ressente de estar sendo "caçado com taco de beisebol e machadinha".
O Brasil vive seu próprio ciclo do absurdo.
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