Topo

Diogo Schelp

Declínio americano, crise de petróleo: o que acontece se Trump atacar o Irã

Diogo Schelp

21/06/2019 13h31

O aiatolá Khamenei (Divulgação/AP)

Os Estados Unidos e o Irã quase, por muito pouco, entraram em conflito armado nesta quinta-feira (20). Se estiver correta a notícia veiculada pelo jornal americano The New York Times, aliás, apenas alguns minutos separaram o mundo de um ataque que poderia ter iniciado uma guerra de grandes proporções no Oriente Médio — maior do que a do Iraque (2003-2011), maior do que a da Síria (iniciada em 2011). Na realidade, o risco ainda não foi afastado. Na madrugada desse dia, um drone de vigilância americano foi abatido pela Guarda Revolucionária do Irã. Os iranianos dizem que ele estava em seu espaço aéreo; os americanos, que sobrevoava águas internacionais quando foi derrubado. A tensão foi aumentando nas horas seguintes até que, segundo a reportagem do New York Times, o presidente americano Donald Trump ordenou um ataque aéreo, com drones, contra radares e baterias antiaéreas em território iraniano. O bombardeio estava marcado para 19h (horário local). As aeronaves já estavam no ar quando Trump voltou atrás e ordenou que o ataque fosse suspenso.

O episódio dos drones ocorre depois de uma série de fatos que elevaram as tensões entre Irã e Estados Unidos. Nas últimas semanas, o Irã ameaçou retomar o enriquecimento de urânio em níveis proibidos por um acordo firmado em 2015 com os Estados Unidos e a Europa em troca de redução nas sanções internacionais (os Estados Unidos se retiraram do acordo no ano passado) e foi acusado de estar por trás dos ataques que danificaram dois navios petroleiros no Estreito de Ormuz.

Não se conhece o motivo da desistência de Trump. Mas já é sabido que há divergências sérias dentro da sua equipe de conselheiros de assuntos militares e geopolíticos. Uma possibilidade é que ele tenha sido convencido por alguns assessores de que o bombardeio teria consequências desastrosas, sem retorno, para os Estados Unidos e para o próprio futuro político de Trump. Pelo comportamento errático do presidente, porém, não há garantias de que ele tenha desistido totalmente da ideia.

O Irã não deixaria barato um ataque dentro do seu território contra sua estrutura bélica. O país tem inúmeros meios para revidar, alguns dos quais estão descritos abaixo, dentro do que se pode considerar um cenário moderadamente pessimista — e o mais provável — para a escalada do conflito, em que ele se alastraria por todo o Oriente Médio. O cenário otimista, em que o conflito se restringiria a pequenos episódios de retaliações contra alvos militares e embarcações comerciais no Golfo Pérsico e esfriaria depois de algumas semanas, tem baixa probabilidade de acontecer pela natureza explosiva da região. Se há alguma chance de algo dar muito errado na geopolítica do Oriente Médio, pode apostar que é o que vai ocorrer. O cenário mais pessimista, e menos provável, seria o envolvimento direto de outras potências, como a China e a Rússia, do lado iraniano no conflito — o que poderia ganhar contornos de uma III Guerra Mundial.

O cenário moderadamente pessimista, portanto, teria as seguintes consequências:

  • O Irã inicia uma campanha de ataques e sabotagens no Golfo Pérsico com o objetivo de obstruir a estreita passagem para o Oceano Índico por onde é transportado um quinto da produção de petróleo do mundo. Isso faz o preço dos combustíveis fósseis disparar, desestabilizando a economia mundial e provocando recessão tanto em nações industrializadas quanto em países em desenvolvimento, como o Brasil;
  • O Irã regionaliza o conflito, abrindo frentes de batalha contra aliados dos Estados Unidos em todo o Oriente Médio. O grupo xiita libanês Hezbollah começa a lançar foguetes contra Israel, usando como base tanto o território do Líbano como o da Síria (ambos os países fazem fronteira com Israel). Apoiadas militarmente e financeiramente pelo Irã, as milícias hutis do Iêmen, país que vive uma guerra civil desde 2015, intensificam os ataques com mísseis e drones contra alvos da Arábia Saudita, como aeroportos e estações petrolíferas. No Iraque, as milícias xiitas, que possuem forte influência do Irã e têm grande experiência em combates, os mais recentes deles na expulsão do grupo terrorista sunita Estado Islâmico, iniciam uma campanha de ataques e sabotagem contra alvos americanos (os Estados Unidos ainda têm 5.200 militares no Iraque);
  • Israel reage ao Hezbollah não apenas bombardeando o Líbano e a Síria, mas também alvos estratégicos no Irã— o governo de Benjamin Netanyahu está há tempos em busca de uma justificativa para destruir a infraestrutura nuclear iraniana, para acabar com as chances de o país construir uma bomba atômica. O Irã revidaria lançando mísseis de médio alcance contra as cidades israelenses;
  • A Arábia Saudita reage aos ataques hutis e ao fechamento do Estreito de Ormuz enviando tropas e sua Força Aérea para auxiliar os Estados Unidos em uma invasão primeiro por ar, depois por terra, do Irã. É a guerra mais letal do século até agora: se a Guerra do Iraque, país com 38 milhões de habitantes, matou 460.000 pessoas, pode-se estimar que a do Irã, com uma população de 82 milhões e um contingente militar que é o dobro do iraquiano, tem potencial para alcançar a marca de 1 milhão de vidas perdidas;
  • Conforme o conflito vai ganhando contornos étnicos e religiosos, ao confirmar um confronto há muito anunciado entre a Arábia Saudita (árabe e sunita) e o Irã (persa e xiita), atentados terroristas começam a pipocar pela região e além dela, ora provocando vítimas civis entre os sunitas, ora entre os xiitas;
  • Mesmo sem envolvimento militar direto, a Rússia e a China veem o conflito como uma ameaça aos seus interesses na região e decidem colocar-se em uma posição contrária aos Estados Unidos, dando apoio político, econômico e militar (por meio da venda de armas) ao aiatolá Ali Khamenei, o líder supremo do Irã;
  • Uma nova onda de refugiados de guerra bate às portas da Europa, que desta vez não consegue contê-la por meios minimamente humanos. A Turquia, que aproveita o conflito regional para esmagar a minoria curda dentro e fora de suas fronteiras, suspende seu acordo com os europeus para usar seu território como uma barreira para os emigrantes, que em números cada vez maiores são barrados na Grécia e nos Balcãs. Grandes campos de refugiados são construídos nesses lugares. O espaço Schengen, a área de livre circulação de pessoas na Europa, é suspenso;
  • Ao fim da guerra, Rússia e China são os maiores beneficiados, em detrimento da Europa, inundada por refugiados, e dos Estados Unidos, que, mesmo vitoriosos, saem enfraquecidos por anos de uma guerra custosa, tanto financeiramente (para se ter uma ideia, a Guerra do Iraque custou 2 trilhões de dólares) quanto internamente (na campanha eleitoral, Trump havia prometido encerrar os envolvimentos militares do país no Oriente Médio) e externamente (os Estados Unidos passam a ser vistos pela comunidade global como um país que não consegue conter as pressões para colocar em uso seu poderio militar). A guerra no Irã, portanto, acelera o declínio americano e dá impulso às ambições da China de se tornar a próxima superpotência mundial.

O cenário acima descrito, repito, é o moderadamente pessimista. Devemos esperar que os atritos atuais entre Irã e Estados Unidos possam ser resolvidos de maneira diplomática. O mundo todo teria muito a perder no caso de uma guerra entre os dois países.

 

Sobre o Autor

Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto, com André Liohn) e “No Teto do Mundo” (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).

Sobre o Blog

“O que mantém a humanidade viva?”, perguntava-se o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Essa é a pergunta que motiva esse blog a desembaraçar o noticiário internacional – e o nacional, também, quando for pertinente – e a lançar luz sobre fatos e conexões que não receberam a atenção devida. Esse é um blog que quer surpreender, escrito por alguém que gosta de ser surpreendido.