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Diogo Schelp

Maior arma cibernética dos EUA é promover uma internet livre e democrática

Diogo Schelp

24/06/2019 17h00

Guerra cibernética

Oficiais realizam ação anti-hacker em base aérea dos Estados Unidos (Foto: Tech. Sgt. Cecilio M. Ricardo Jr/US Air Force)

Depois de ordenar um ataque aéreo contra alvos militares iranianos na quinta-feira passada (20), como retaliação à derrubada de um drone americano pela Guarda Revolucionária e à sabotagem de dois navios petroleiros no Estreito de Ormuz, o presidente Donald Trump voltou atrás e optou por adotar medidas de punição e pressão aos aiatolás que não configurem atos de guerra convencionais. Na própria quinta-feira, o Comando Cibernético do Departamento de Defesa dos Estados Unidos realizou um ataque cibernético contra o serviço de inteligência iraniano que teria organizado a sabotagem dos navios. A divisão de guerra cibernética americana também invadiu os sistemas de lançamento de mísseis do Irã. O governo dos aiatolás disse que o ciberataque foi um fracasso.

Também em resposta à derrubada do drone e da provocação no Estreito de Ormuz, Trump impôs novas sanções econômicas contra o Irã nesta segunda-feira (24). Sua gestão vem aumentando a pressão financeira sobre o Irã desde o ano passado, quando retirou-se do acordo, costurado em 2015 em conjunto com países europeus, que determinava a suspensão do programa nuclear para fins bélicos da república islâmica. As sanções que vêm sendo aplicadas nos últimos meses procuram interromper completamente as exportações de petróleo do Irã. Estrangulados financeiramente, os aiatolás ameaçam retomar o enriquecimento de urânio em níveis superiores ao necessário para uso civil.

Os efeitos dos recentes ciberataques contra o Irã tendem a ser temporários. Depois da invasão de seus computadores, os especialistas iranianos podem colocar os sistemas offline e, ao longo de alguns dias, recuperá-los completamente. Para serem realmente efetivos, ataques cibernéticos precisam ocorrer em momentos cruciais. Ou seja, uma invasão do sistema de lançamento de mísseis seria bem sucedida se ocorresse antes de uma tentativa do país de dispará-los, em meio a uma guerra convencional. Por isso, a intenção dos americanos, por enquanto, parece ter sido apenas psicológica, com o objetivo de deter novas provocações iranianas. Trata-se de uma demonstração do que a divisão de guerra cibernética dos Estados Unidos é capaz de fazer se o conflito com os aiatolás se agravar.

As possibilidades da guerra cibernética ainda estão em franco desenvolvimento. Nas últimas ocasiões em que elas foram testadas, o objetivo era mais ganhar tempo e causar prejuízos do que propriamente provocar danos irreversíveis — estes, muito mais difíceis de alcançar. Há cerca de duas semanas, hackers militares americanos invadiram as redes de computadores do sistema elétrico da Rússia, em retaliação contra infiltrações de vírus russos na infraestrutura americana. Tanto o ataque americano quanto o russo tinham potencial para sabotar o fornecimento de energia nesses países. Os russos já fizeram isso antes, na Ucrânia. Em 2015, 230.000 moradores da cidade de Ivano-Frankivsk ficaram sem luz por causa de um ataque cibernético atribuído a hackers russos.

Outro ataque cibernético bem sucedido foi realizado por especialistas isralenses, em 2010. Eles infectaram os sistemas computacionais do programa nuclear iraniano com o vírus Stuxnet, que prejudicou o funcionamento da usina de enriquecimento de urânio em Natanz. 

Desde 2014, os Estados Unidos valem-se de tática semelhante para sabotar o programa nuclear da Coreia do Norte. Uma série de testes de lançamento de mísseis pela ditadura norte-coreana resultaram em fracasso porque os sistemas eletrônicos estavam infectados por malware americano. Ações como essa não impediram o desenvolvimento do arsenal nuclear norte-coreano, mas ajudaram a atrasá-lo.

Alguns analistas de segurança dizem que os Estados Unidos saem prejudicados em um cenário de guerra cibernética, pois coloca países com menos recursos financeiros em posição mais equilibrada com a maior potência militar do mundo. Para fazer um ciberataque não é preciso gastar os milhões de dólares necessários para construir um porta-aviões ou mísseis balísticos de longo alcance, por exemplo. Tampouco é preciso restringir os ataques a alvos militares — invadindo os computadores do Pentágono, por exemplo, como de fato já ocorreu. De fato, a Casa Branca estima que os ataques cibernéticos custam entre 57 e 109 bilhões de dólares por ano à economia americana, aí incluídos tanto as atividades puramente criminosas quanto aquelas patrocinadas pelos governos de outros países.

Por outro lado, o governo americano vem investindo pesado em sua própria capacidade de promover guerras cibernéticas. Mas sua principal arma contra governos inimigos, especialmente aqueles com pendor autoritário, é a existência de um ambiente digital aberto e democrático. Esta é a maior ameaça para ditaduras como a da China, que dedica muitos recursos à censura e ao controle do fluxo de informação online, e para governos autoritários como o da Rússia, que recentemente se viu obrigado a mandar soltar um jornalista investigativo depois de uma intensa campanha popular online.

Espera-se que o governo Trump reconheça o poder da internet na contenção de seus inimigos e não caia na tentação de barrar iniciativas no Congresso americano para garantir que o acesso às informações online continue neutro, aberto e democrático.

 

Sobre o Autor

Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto, com André Liohn) e “No Teto do Mundo” (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).

Sobre o Blog

“O que mantém a humanidade viva?”, perguntava-se o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Essa é a pergunta que motiva esse blog a desembaraçar o noticiário internacional – e o nacional, também, quando for pertinente – e a lançar luz sobre fatos e conexões que não receberam a atenção devida. Esse é um blog que quer surpreender, escrito por alguém que gosta de ser surpreendido.