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Diogo Schelp

Bolsonaro acerta em rebater Merkel, mas erra o tom

Diogo Schelp

27/06/2019 16h51

O presidente Jair Bolsonaro em viagem ao Japão, para a reunião do G20 (Foto: Charlly Triballeau/AFP)

O presidente Jair Bolsonaro chegou a Osaka, no Japão, metendo o pé na porta. Ele está no país para participar da reunião do G20, o grupo dos 20 países mais ricos do mundo. Bolsonaro foi questionado por jornalistas sobre uma crítica feita no dia anterior (quarta-feira, 26) pela chanceler alemã Angela Merkel a respeito das posições do governo brasileiro sobre o desmatamento da Floresta Amazônica.

Disse Bolsonaro: "Eles (os alemães) têm a aprender muito conosco. O presidente do Brasil que está aqui não é como alguns anteriores que vieram aqui para serem advertidos por outros países. Não, a situação aqui é de respeito para com o Brasil. Não aceitaremos tratamento como no passado de alguns casos de chefes de estado que estiveram aqui."

Ele se referia à seguinte declaração de Merkel, dada após uma pergunta de uma parlamentar alemã sobre a presença de Bolsonaro na cúpula no Japão e a questão ambiental: "Assim como vocês, vejo com grande preocupação a questão das ações do presidente brasileiro e, se ela se apresentar, aproveitarei a oportunidade no G20 para ter uma discussão clara com ele."

Sem entrar no mérito se a crítica de Merkel à política ambiental de Bolsonaro é justa ou não, o fato é que o presidente está certo em defender sua posição. Ainda que os argumentos não sejam lá muito sólidos. Ele disse que "nós temos exemplo para dar para a Alemanha sobre meio ambiente, a indústria deles continua sendo fóssil, em grande parte de carvão e a nossa não. Então eles têm a aprender muito conosco". Ora, a matriz energética alemã é dependente das fontes fósseis por uma questão geográfica. A Alemanha simplesmente não tem os mesmos recursos hidrográficos do Brasil. Mas ensinar os alemães algo a respeito disso é muita pretensão. A Alemanha está anos-luz à frente do Brasil no desenvolvimento de tecnologias energéticas e caminha a passos largos para suprir a maior parte da sua demanda com energias renováveis. Atualmente, 40% da eletricidade do país vem de turbinas eólicas, placas solares, biomassa ou hidrelétricas. Há dez anos, a proporção era de apenas 16%.

O problema maior, porém, foi o tom adotado por Bolsonaro na sua resposta. Merkel não foi deselegante em sua crítica. Ela apenas endossou uma preocupação com grande apelo junto ao público alemão e disse que, se tivesse a oportunidade de falar com Bolsonaro sobre o assunto, com certeza o faria. O brasileiro, porém, parece ter levado a questão para o lado pessoal. Entendeu a crítica civilizada como uma bronca dada pela mãe no filho levado.

Nas relações diplomáticas, parte-se sempre do princípio de que os países — representados por seus governos de ocasião — têm diferenças. O objetivo é engajar-se em conversas francas para encontrar pontos de convergência.

O momento atual pede uma aproximação com a Alemanha de Merkel, não uma rusga. A chanceler alemã é uma das principais defensoras do acordo comercial que a União Europeia e o Mercosul estão tentando fechar há duas décadas.

Segundo a revista alemã Der Spiegel, Merkel e outros seis chefes de governo europeus enviaram esta semana uma carta para Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia, pedindo para acelerar as negociações com os sul-americanos.

A carta coloca Merkel em posição desconfortável em sua relação com o presidente Emmanuel Macron, que reluta em defender o acordo por causa das pressões protecionistas do setor agrícola francês. Faz parte, diplomacia é assim. 

Curiosamente, o empenho de Merkel em aprovar o acordo que seria de grande valor comercial para o Brasil pode ser visto como um recado da alemã a Trump. Na avaliação da Der Spiegel, Merkel quer mostrar a Trump que a abertura de mercados segue seu rumo apesar do protecionismo do americano. Segundo a revista alemã, Merkel também considera que a janela de tempo para se chegar a um acordo entre os dois blocos está se fechando. Primeiro, porque Cristina Kirchner, de tendência protecionista, pode voltar à presidência argentina no segundo semestre deste ano. Segundo, porque seria mais difícil convencer seus companheiros europeus a fazer o acordo com o Mercosul se os temores de aumento no desmatamento no Brasil por causa das políticas ambientais de Bolsonaro se confirmarem.

Dessa forma, os dois temas se conectam. Em público, Merkel demonstra preocupação com o desmatamento no Brasil, mas nos bastidores pressiona para que a Europa faça um bom acordo com o Mercosul (o que equivale a uma acordo com o Brasil, que é o maior mercado do bloco sul-americano). Era uma ótima oportunidade para Bolsonaro afastar as dúvidas internacionais sobre seu compromisso com a floresta e, dessa forma, dar a Merkel mais um argumento para defender o acordo com o Mercosul.

Bolsonaro demonstra que não sabe fazer diplomacia — e que está mal assessorado.

Sobre o Autor

Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto, com André Liohn) e “No Teto do Mundo” (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).

Sobre o Blog

“O que mantém a humanidade viva?”, perguntava-se o dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Essa é a pergunta que motiva esse blog a desembaraçar o noticiário internacional – e o nacional, também, quando for pertinente – e a lançar luz sobre fatos e conexões que não receberam a atenção devida. Esse é um blog que quer surpreender, escrito por alguém que gosta de ser surpreendido.